Funções sociais do Estado

A dimensão da destruição já realizada e em curso

Eugénio Rosa

Go­verno e troika estão em­pe­nhados em des­truir aquilo que muitos de­signam como «Es­tado so­cial» através do es­tran­gu­la­mento fi­nan­ceiro. Para tornar claro isso, e para se poder ficar com uma ideia das con­sequên­cias para os por­tu­gueses dos cortes enormes nas des­pesas com as fun­ções so­ciais do Es­tado, ou seja, com a Edu­cação, a Saúde e Se­gu­rança So­cial cons­tantes do OE-2013, assim como do novo corte de 4000 mi­lhões de euros acor­dado pelo Go­verno e troika, in­te­ressa ana­lisar os que já se ve­ri­fi­caram ou estão a ser apli­cados, até porque os novos cortes se vêm adi­ci­onar a estes.

Com esta po­lí­tica de aus­te­ri­dade, que está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesa, não existem fun­ções so­ciais do Es­tado que re­sistam

O Quadro 1, cons­truído com dados da exe­cução or­ça­mental di­vul­gada todos os meses pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças, torna claro o que está em jogo e quais serão as con­sequên­cias ine­vi­tá­veis dos cortes já feitos por este Go­verno e pela troika, e dos novos anun­ci­ados por eles.

Os dados re­ferem-se apenas aos pri­meiros nove meses de cada ano (Jan./​Set.), no en­tanto os cortes em des­pesas com ser­viços es­sen­ciais para a po­pu­lação são tão ele­vados que chocam pelas con­sequên­cias que ine­vi­ta­vel­mente estão a ter sobre vida dos por­tu­gueses, em­pur­rando muitos para a mi­séria. E isto porque, to­mando como base a des­pesa re­a­li­zada pelo Es­tado nos pri­meiros nove meses de cada ano, ve­ri­ficou-se, entre 2010 e 2012, ou seja, em apenas dois anos um corte nas des­pesas com a Edu­cação e Saúde su­pe­rior a 2500 mi­lhões de euros. O corte nas trans­fe­rên­cias para a Se­gu­rança So­cial à pri­meira vista pa­rece ser menor, o que não é ver­da­deiro já que o valor de 2012 in­clui as trans­fe­rên­cias do OE para fi­nan­ciar um plano de emer­gência as­sis­ten­ci­a­lista (can­tinas para os po­bres) no valor de 176 mi­lhões de euros e o pa­ga­mento das pen­sões aos ban­cá­rios (522 mi­lhões de euros), des­pesas estas que até 2012 não exis­tiam.

Apesar destes ele­vados cortes nas des­pesas so­ciais do Es­tado fun­da­men­tais para a po­pu­lação, na pro­posta de OE-2013 é feito outro corte enorme. Os dados do Quadro 2, re­ti­rados do Re­la­tório que acom­panha o OE para 2013, mos­tram a sua di­mensão.

Na pro­posta de OE-2013 estão ins­critos 28 463,3 mi­lhões de euros para des­pesas com as fun­ções so­ciais do Es­tado, valor este que já é in­fe­rior ao ins­crito no OE-2012 em 1889 mi­lhões de euros.

Mas mesmo este valor, que já é enorme, é ainda in­fe­rior ao valor real. E isto porque no valor de 2013 estão in­cluídos o sub­sídio de Natal aos fun­ci­o­ná­rios pú­blicos (que é re­posto em 2013, mas de que o Go­verno se apro­pria de­pois através do au­mento do IRS) e o au­mento das con­tri­bui­ções de 15

para 20 por cento das en­ti­dades pú­blicas para a CGA, des­pesas estas que não exis­tiam em 2012, as quais somam 547,1 mi­lhões de euros. Se as de­du­zirmos ao valor ins­crito no OE-2013 – 28 463,3 mi­lhões de euros –, para poder ser com­pa­rado com o valor de 2012, ficam 27 916,2 mi­lhões de euros, o que sig­ni­fica que o corte nas des­pesas com as fun­ções so­ciais do Es­tado cons­tante do OE-2013, atinge 2436,1 mi­lhões de euros, a adi­ci­onar ao corte re­a­li­zado no pe­ríodo 2010-2012 que foi de 2350,5 mi­lhões de euros.

Cortes gi­gan­tescos, mesmo sem contar com os novos 4000 mi­lhões de euros anun­ci­ados pelo Go­verno, que se forem con­cre­ti­zados agra­varão as con­di­ções de vida dos por­tu­gueses, a juntar ao re­sul­tante do au­mento brutal da carga fiscal que ana­li­samos em outro es­tudo. E esta re­dução ainda não entra com o efeito da in­flação pois os dados con­si­de­rados são a va­lores no­mi­nais o que de­ter­mina que, em termos reais, a re­dução ainda seja maior.

No Quadro 2 existem ru­bricas em que os va­lores de 2013 ou são iguais ou su­pe­ri­ores aos de 2012, po­dendo gerar a ideia falsa de uma me­lhoria. No en­tanto, a ver­dade é outra. Por ex., no valor ins­crito para a edu­cação em 2013 – 6753,5 mi­lhões de euros –, se de­du­zirmos o valor do sub­sídio de Natal e o au­mento de des­pesa de­ter­mi­nada pela su­bida da taxa con­tri­bu­tiva das en­ti­dades pú­blicas para a CGA de 15 para 20 por cento, o valor que resta é in­fe­rior ao de 2012 em mais de 300 mi­lhões de euros. O mesmo se pode dizer em re­lação à Se­gu­rança So­cial cujo au­mento é ex­pli­cado pelo au­mento da trans­fe­rência do OE para fi­nan­ciar o cha­mado Plano de Emer­gência (can­tinas para po­bres, uma forma «mo­derna» de sopa para os po­bres) e pela re­po­sição, em 2013, de 1,1 sub­sídio aos pen­si­o­nistas que cus­tará à Se­gu­rança So­cial mais 300 mi­lhões de euros. Em suma, se de­du­zirmos todas estas im­por­tân­cias o que fica em 2013 para os en­cargos que exis­tiam em 2012 é muito in­fe­rior ao ins­crito no OE- 2012. E ainda se quer cortar mais 4000 mi­lhões de euros em 2013-2014.

A po­lí­tica de aus­te­ri­dade
des­trói as fun­ções so­ciais do Es­tado


A vi­a­bi­li­dade e a sus­ten­ta­bi­li­dade das fun­ções so­ciais do Es­tado (Edu­cação, Saúde, Se­gu­rança So­cial) de­pendem de um fi­nan­ci­a­mento ade­quado e sus­ten­tado. E este não é pas­sível de ser ga­ran­tido pelo Es­tado sem cres­ci­mento eco­nó­mico. A po­lí­tica de aus­te­ri­dade, ainda por cima apli­cada em plena crise e a con­se­quente re­cessão eco­nó­mica, estão a matar, pela via do es­tran­gu­la­mento fi­nan­ceiro, as fun­ções so­ciais do Es­tado, já que as re­ceitas do Es­tado estão a di­mi­nuir sig­ni­fi­ca­ti­va­mente como re­vela o
Quadro 3.

Como con­sequência da re­cessão eco­nó­mica, cau­sada pela po­lí­tica de aus­te­ri­dade, as re­ceitas fis­cais no pe­ríodo Jan-Set.de 2012 foram in­fe­ri­ores às de idên­tico pe­ríodo de 2011 em 1237 mi­lhões de euros, e as de con­tri­bui­ções para a Se­gu­rança So­cial di­mi­nuíram em 491 mi­lhões de euros; assim, o Es­tado e a Se­gu­rança So­cial per­deram 1728 mi­lhões de euros. Em con­tra­par­tida as des­pesas com o sub­sídio de de­sem­prego e com o pa­ga­mento de juros pelo Es­tado pas­saram entre Jan/​Set-2011 e Jan/​Set-2012 de 5713 mi­lhões e para 6902 mi­lhões de euros, ou seja, so­freram um forte acrés­cimo de 1188 mi­lhões de euros. Com esta po­lí­tica de aus­te­ri­dade, que está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesa, não existem fun­ções so­ciais do Es­tado que re­sistam.

Pro­voca-se a re­cessão com a po­lí­tica se­guida e de­pois uti­liza-se os re­sul­tados ne­fastos ob­tidos para jus­ti­ficar os cortes bru­tais nas des­pesas so­ciais do Es­tado, e assim pro­curar des­truir as fun­ções so­ciais. Eis o cír­culo de des­truição em que o País está mer­gu­lhado e eis também a es­tra­tégia das forças do ca­pital e da di­reita em Por­tugal. É ne­ces­sário in­verter esta si­tu­ação. E con­tra­ri­a­mente ao que afirmam os seus de­fen­sores existem al­ter­na­tivas e é ur­gente co­meçar a de­batê-las de uma forma alar­gada para en­con­trar uma al­ter­na­tiva para esta po­lí­tica que está a des­truir a eco­nomia e a so­ci­e­dade por­tu­guesa, e a levar o País à ruína.



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