Um murro na mesa

Margarida Botelho

O Go­verno lançou uma cam­panha contra a vi­o­lência do­més­tica sob o lema «Em vossa de­fesa, dê um murro na mesa». É uma cam­panha sen­sível e bem feita, com su­porte na te­le­visão, na rádio e no Fa­ce­book. A men­sagem cen­tral é que as ví­timas de vi­o­lência devem «dar um murro na mesa» para acabar com a si­tu­ação que vivem, por si e pelos fi­lhos.

A vi­o­lência do­més­tica é um pro­blema dra­má­tico para muitas fa­mí­lias, pondo em risco as vidas de mi­lhares de mu­lheres e cri­anças. 2012 ainda não acabou e já foram as­sas­si­nadas 35 mu­lheres por com­pa­nheiros ou ex-com­pa­nheiros. Os efeitos no de­sen­vol­vi­mento das cri­anças são di­fí­ceis de quan­ti­ficar, mas todos sa­bemos que são de­vas­ta­dores.

Mas a cam­panha não é mais do que isso: uma sen­si­bi­li­zação. Porque de resto, no con­creto do dia-a-dia, o Go­verno não só não dá um passo para acabar com a vi­o­lência do­més­tica, como pro­move todas as con­di­ções so­ciais e eco­nó­micas para que o pro­blema se mul­ti­plique.

São muitas as di­men­sões da vi­o­lência que atingem as mu­lheres, as cri­anças, as fa­mí­lias em geral. O de­sem­prego, a pre­ca­ri­e­dade, a po­breza, os baixos sa­lá­rios, os cortes na pro­tecção so­cial, nos sa­lá­rios, nos ser­viços pú­blicos, fra­gi­lizam em pri­meiro lugar quem é – ou está – mais frágil. A si­tu­ação que o País vive po­tencia o agra­va­mento e a pro­li­fe­ração de fe­nó­menos como o al­co­o­lismo, a to­xi­co­de­pen­dência, o aban­dono de cri­anças, as do­enças men­tais.

«Dê um murro na mesa» é uma boa frase pu­bli­ci­tária para pa­recer que o Go­verno está a fazer al­guma coisa. Mas na ver­dade, que con­di­ções tem al­guém de «dar um murro na mesa» se es­tiver de­sem­pre­gado? Se ga­nhar o sa­lário mí­nimo? Se tiver fi­lhos a cargo? Se não tiver a mí­nima hi­pó­tese de pagar uma renda ou uma pres­tação ao banco? De ser, numa pa­lavra, uma pessoa au­tó­noma e in­de­pen­dente?

O Go­verno pode fazer mil cam­pa­nhas e dis­cursos pi­e­dosos a dizer o con­trário, mas a sua po­lí­tica é vi­o­lenta, pro­move a vi­o­lência, não per­mite que as ví­timas se li­bertem do ciclo de vi­o­lência. Pre­ci­samos de dar um murro na mesa, sim. Para acabar com a po­lí­tica de di­reita.



Mais artigos de: Opinião

A ruptura

O ainda secretário-geral da UGT, João Proença, ameaçou a semana passada cortar relações com o Governo caso Passos Coelho ponha em causa a autonomia do regime contributivo da Segurança Social e o quadro constitucional e legal que o rege. O insólito anúncio...

Sim. Com paredes de vidro

Durante o XIX Congresso do Partido assaltou-me esta ideia que, à medida que se iam sucedendo as intervenções que preencheram aqueles três dias de trabalho, se consolidou. Ali estava um Partido com paredes de vidro. Quem pretenda saber o que somos, como nos organizamos, que métodos de...

O funcionário

A ideologia burguesa finge acreditar que a liberdade se garante através dos direitos formais. Há democracia porque há direito a voto. Há liberdade de expressão onde há a liberdade de falar. Assim, o dono de um jornal e um jornalista têm o mesmo poder de...

Viva o internacionalismo!

Expressando a amplitude e diversidade das relações internacionais do Partido, a vertente internacionalista do XIX Congresso do PCP deu uma contribuição muito importante para o seu êxito. Foi a presença de apreciável número de delegações de partidos...