A ruptura

Anabela Fino

O ainda se­cre­tário-geral da UGT, João Pro­ença, ame­açou a se­mana pas­sada cortar re­la­ções com o Go­verno caso Passos Co­elho ponha em causa a au­to­nomia do re­gime con­tri­bu­tivo da Se­gu­rança So­cial e o quadro cons­ti­tu­ci­onal e legal que o rege. O in­só­lito anúncio – que, es­tamos em crer, nin­guém levou a sério – foi feito em con­fe­rência de im­prensa, um dia após a en­tre­vista do pri­meiro-mi­nistro à TVI. Apa­ren­te­mente, tra­tava-se de uma re­acção da UGT à even­tu­a­li­dade de mais cortes nos sa­lá­rios e pen­sões, para além dos que já estão con­tem­plados no OE para 2013 e dos que estão a ser pre­pa­rados com a cha­mada «re­forma do Es­tado» com o ob­jec­tivo de, já a partir de Fe­ve­reiro, re­duzir em mais quatro mil mi­lhões de euros a des­pesa com as fun­ções so­ciais do Es­tado.

A fazer fé nas no­tí­cias di­vul­gadas a pro­pó­sito, Pro­ença, de­pois de subs­crever sem so­bres­saltos de cons­ci­ência o «pacto so­cial» que im­ple­menta o acordo com a troika des­truindo con­quistas e di­reitos du­ra­mente con­quis­tados pelos tra­ba­lha­dores ao longo de ge­ra­ções; de­pois de en­golir sem en­gu­lhos os su­ces­sivos roubos de sa­lá­rios, pen­sões, pres­ta­ções so­ciais e au­mentos bru­tais de taxas ditas mo­de­ra­doras; de­pois de aceitar sem um pro­testo – e tantos tem ha­vido –, sem uma ma­ni­fes­tação – e tantas e tão gran­di­osas se têm feito –, sem um apelo a uma greve, in­cluindo à maior greve geral dos úl­timos anos a que ade­riram in­clu­sive sin­di­catos da UGT, o Or­ça­mento do Es­tado que con­sagra o «enorme au­mento fiscal» que (quase) todos re­co­nhecem ser um as­salto à mão ar­mada ao povo por­tu­guês, de­pois de tudo isto, dizia, Pro­ença vem agora in­vocar as «res­pon­sa­bi­li­dades» da UGT «pe­rante os tra­ba­lha­dores e pe­rante o País» para acenar com a pos­si­bi­li­dade de «rup­tura das re­la­ções com o Go­verno». Mas não já, não agora, nem se­quer face ao anun­ciado corte de mais quatro mil mi­lhões de euros no pró­ximo ano. Nada disso basta para que Pro­ença mude de rumo. A rup­tura, se houver rup­tura, será lá mais para a frente e apenas se e quando a Se­gu­rança So­cial for en­go­lida na vo­ragem dos vam­piros do nosso tempo. A mesma Se­gu­rança So­cial que já hoje está a ser de­la­pi­dada dos seus re­cursos e su­jeita à ameaça – essa sim bem real – de ter os seus 10 mil mi­lhões do fundo de ga­rantia con­fis­cados num em­prés­timo ao Es­tado.

Ocorre per­guntar se este ho­ri­zonte, este com­passo de es­pera para a ale­gada rup­tura, vindo de Pro­ença, que es­teve an­te­ontem no Par­la­mento a bran­quear as graves con­sequên­cias para os tra­ba­lha­dores das al­te­ra­ções à lei la­boral por­tuária e a par­ti­lhar as má­goas de ex­por­ta­dores para quem o au­mento de 20 por cento dos lu­cros sabe a pouco, tem al­guma coisa a ver com outro ca­len­dário de que já tanto se fala a pro­pó­sito da morte anun­ciada do Go­verno, e de que al­guns dizem não querer falar, em­bora co­bi­çando os sa­patos do de­funto. Rup­turas destas dão muito jeito, há que convir, quando se per­cebe que o Go­verno, cum­prida a sua função de re­duzir o País à mi­séria e es­can­carar as portas à ex­plo­ração sem li­mites, se tornou um peso morto e quando os que ontem o le­vavam em om­bros hoje já lhe en­co­mendam missas de sé­timo dia.

 



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