Sim, lutar vale a pena!

João Frazão (Membro da Comissão Política)

O anúncio de que a TAP, por ora, não seria en­tregue a pri­vados deu lugar, nos úl­timos dias, a uma gi­gan­tesca cam­panha para fazer crer, por um lado, que o pro­cesso contou com a di­li­gente e res­pon­sável trans­pa­rência do Go­verno e, por outro lado, que a sus­pensão do pro­cesso se deve apenas ao in­cum­pri­mento, por parte do can­di­dato à pri­va­ti­zação, de re­qui­sitos pre­vi­a­mente exi­gidos.

Com esta vi­tória, acu­mulou-se forças para a luta que con­tinua

LUSA

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Pro­cura-se assim dar ideia de um Go­verno imune a pres­sões, que de­fende o in­te­resse na­ci­onal contra tudo e contra todos, e de que a in­tensa luta dos tra­ba­lha­dores da TAP, em de­fesa dos seus in­te­resses e di­reitos e da ma­nu­tenção da trans­por­ta­dora aérea no sector em­pre­sa­rial do Es­tado, a que se as­so­ci­aram am­plos sec­tores no País, e a que apenas o Go­verno se man­teve surdo até ao úl­timo mi­nuto, não teria nada a ver com tal de­cisão.

Há, en­tre­tanto, três re­gistos que im­porta fazer, para me­mória fu­tura, quando se es­tudar o recuo a que o Go­verno foi obri­gado pela luta.

O pri­meiro foi anun­ciado pelo porta-voz das or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­tantes dos tra­ba­lha­dores, um dia antes de ser de­cla­rado o fra­casso do ne­gócio. No final de uma reu­nião com o se­cre­tário de Es­tado dos Trans­portes, o di­ri­gente sin­dical afir­mava que, se o Go­verno fosse in­for­mado por aquele go­ver­nante tal como ele tinha de­fen­dido a venda nessa reu­nião, a pri­va­ti­zação seria apro­vada de cruz, tais eram as cer­tezas e o fervor pri­va­ti­zador do go­ver­nante. «O Go­verno está apai­xo­nado por este único in­ves­tidor no grupo TAP e en­tende que ga­rantiu o ca­derno de en­cargos», in­formou o sin­di­ca­lista. Re­pare-se que esta de­cla­ração foi pro­fe­rida apenas um dia antes da de­cisão final.

A se­gunda foi as­su­mida pela se­cre­tária de Es­tado do Te­souro que, ao con­trário do que agora nos querem fazer crer, afirmou que os re­qui­sitos não cum­pridos pelo dono da com­pa­nhia aérea co­lom­biana Avi­anca não eram apenas ga­ran­tias ban­cá­rias. No final de um pro­cesso de vá­rias se­manas em que, ao que se sabe, vá­rios mem­bros do Go­verno fi­zeram con­ver­sa­ções di­versas com o em­pre­sário (que, pres­tando-se à ca­ri­ca­tura, é o bode ex­pi­a­tório per­feito neste caso), aquela res­pon­sável go­ver­na­mental quis rec­ti­ficar que «não se trata de ga­ran­tias ban­cá­rias, trata-se de ga­ran­tias ade­quadas para todas as com­po­nentes fi­nan­ceiras da pro­posta». Como é pos­sível que apenas no úl­timo dia o Go­verno se tenha dado conta disso?

A ter­ceira prende-se com o em­prés­timo de 100 mi­lhões de euros da Par­pú­blica à TAP, dias antes de en­cerrar o prazo para a de­cisão do Go­verno sobre a pri­va­ti­zação. É que tal em­prés­timo foi au­to­ri­zado pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças, pois já es­tava pre­visto para es­ta­bi­lizar os ca­pi­tais da TAP, no quadro da pri­va­ti­zação da em­presa, sus­pen­dendo mesmo o re­curso a li­nhas de cré­dito an­te­ri­or­mente ga­ran­tidas junto da banca co­mer­cial. Se­gundo o di­rector fi­nan­ceiro da TAP, «com a pri­va­ti­zação e a pers­pec­tiva de en­trada de ca­pital, o Go­verno chamou-nos a atenção de que não fazia sen­tido as­sumir um em­prés­timo de longo prazo quando se es­tava na imi­nência de en­trada ca­pital, o que era pre­visto para De­zembro, para este mês». Isto dois dias antes da de­cisão de não avançar com a pri­va­ti­zação.

A luta foi mais forte, mas con­tinua

Talvez nunca se saiba se é ver­da­deira a in­for­mação de que o Go­verno teria já apra­zado o dia 27 de De­zembro para beber cham­panhe com o em­pre­sário can­di­dato à pri­va­ti­zação, na con­su­mação do crime de en­trega de uma jóia da coroa, parte in­te­grante da so­be­rania na­ci­onal, que este Go­verno des­ba­rata em doses su­ces­si­va­mente mai­ores.

O que fica claro é que, ao con­trário do que diz o PS – que, re­corde-se, ins­creveu pri­meiro no PEC IV e de­pois no pacto de agressão o ob­jec­tivo de ali­enar a TAP –, isto não se trata de ne­nhuma tra­pa­lhada. A ver­dade é que, apesar do em­pe­nha­mento do Go­verno PSD/​CDS em vender TAP a preço de saldo, a luta foi mais forte e in­fligiu-lhe uma ex­tra­or­di­nária der­rota, que os co­men­ta­dores do cos­tume querem agora mi­ni­mizar e de que o Go­verno pa­rece querer vingar-se com o apres­sado anúncio ame­a­çador da re­es­tru­tu­ração ne­ces­sária.

Mas com a im­por­tante vi­tória nesta ba­talha, que contou ao longo de meses com a uni­dade e de­ter­mi­nação dos tra­ba­lha­dores, que ti­veram no PCP o seu mais fiel aliado, se mostra que vale a pena lutar e se acu­mulou forças para a luta que tem de con­ti­nuar, contra as pri­va­ti­za­ções, em de­fesa do sector em­pre­sa­rial do Es­tado e da TAP em par­ti­cular.

A luta em de­fesa da TAP, em­presa pú­blica, a maior ex­por­ta­dora na­ci­onal, em­presa es­tra­té­gica para o País, com­pa­nhia aérea de ban­deira de grande pres­tígio in­ter­na­ci­onal, vai ter novos pa­ta­mares. Parte in­te­grante da luta contra o pacto de agressão e por uma al­ter­na­tiva po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda, ela vai se­gu­ra­mente contar com todos os que de­fendem outro rumo para o País.



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