Dos fracos não reza a estória

Nuno Gomes dos Santos

Foi Hemingway que o disse: um homem pode ser destruído, mas não derrotado. Ponhamos no plural, tanto vale, o grande escritor não aventou outra coisa, apenas singularizou a tese, um homem não seria aquele, único, o pescador Santiago que perseguia um peixe enorme, vencendo essa batalha mas perdendo-a, depois da vitória, para os tubarões que, topando o ganho do homem à custa do enorme esforço feito, não fizeram mais do que, para proveito próprio, sacar, ia a dizer sem espinhas não fora o descabido da expressão no caso, o produto da faina justamente consumada.

A estória, que nos fala da lei da natureza se tivermos em conta o comportamento normal dos tubarões perante um repasto facilitado que não podiam desdenhar, lembra-nos, acima de tudo, a tenacidade e a força de quem, por muito que se adivinhe difícil, literalmente por mares nunca dantes navegados, alcançar o seu objectivo, o persegue com a vontade de quem sabe que pode atingi-lo, malgrado as ondas adversas que tenha de enfrentar. Porém, estes são os tubarões sem alcunha, assim chamados por ser esse o nome que lhes foi atribuído pelos homens. «O Velho e o Mar» conta-nos isso. Mas lembra-nos outra história, esta com agá, da qual são protagonistas homens e tubarões, e que decorre assim:

Era uma vez o Homem, vestido com a letra grande com que se designa um aglomerado de gente que se chama Povo. Esse Homem resolveu que a pobreza não tinha de ser um fado e, sendo Povo, descobriu o direito de ser Homem. Meteu-se no barco que pega o destino pelos cornos e elevou-se ao patamar onde a vida se derrama em palavras e actos que tratam por tu a justiça, a igualdade, a fraternidade, o trabalho, a solidariedade e a dignidade. Porém, no mar em que navegava essa gente de cabeça erguida, o Grande Tubarão, atento, foi esperando a sua oportunidade e, ao menor baixar de guarda, filou o Homem, primeiro roubando-lhe discretamente o peixe miúdo de uma jornada menor, depois atiçando-se contra pesca mais grossa que o Homem conquistara em anos e anos a lutar denodadamente contra as marés.

Estava o Homem convencido de que a vida passara a ser-lhe menos madrasta e vai daí o Grande Tubarão, sentindo que abalroara a contento a sua embarcação, afinal mais fraca do que se julgara, decretou que o Homem teria direito à sua sobrevivência navegando nos restos do seu barco agora jangada, isto se continuasse a pescar guardando para si o dízimo e ficando o grosso da pescaria para o Grande Peixe. Então o Homem protestou. E o Grande Tubarão riu-se do protesto. Depois o Homem reivindicou o produto da sua faina. E o Grande Tubarão armou peixes de grandes dentuças para retaliar a jangada e amedrontar os seus ocupantes. E o Homem disse Então não pesco. E o Grande Tubarão disse Ai pescas, pescas! Porém, a convicção dos indignados aumentou e, ao invés, a soberba do Peixão decresceu.

Não sei o resto da estória, melhor dizendo, da História. Mas, como se diz do Natal, o final dela há-de ser quando o Homem quiser.

 



Mais artigos de: Argumentos

A falsificação continua

Nada permitia esperar que o segundo episódio de «Depois do Adeus» fosse diferente do episódio inicial, isto é, fosse mais seriozinho, menos atrelado a uma versão contrarrevolucionária e falsificada dos acontecimentos de 74/75, ecoando menos os queixumes muitas vezes...

Ignorância de Selassie<br> sobre Portugal ou manipulação?

Procurando acalmar a reação geral provocada pelo disparate/falsidade que consta do Relatório do FMI, de que em «Portugal as transferências sociais concedem maiores benefícios aos grupos com rendimentos mais elevados do que aos grupos com rendimentos mais baixos, agravando as...

A nova «sopa dos pobres»

«A primeira onda da automatização (da revolução industrial) teve o seu maior impacto sobre os operários; a nova revolução em curso está começando a ameaçar os escalões médios da comunidade corporativa ou seja, a estabilidade e a...