Vitória vigilante na Kemet
Os trabalhadores da fábrica de Évora da Kemet Electronics conseguiram que a multinacional norte-americana recuasse no despedimento colectivo de 154 pessoas, anunciado em Novembro. Agora, querem evitar próximos sobressaltos e assegurar que não haverá deslocalização da produção e liquidação de emprego. Não têm qualquer garantia de que este Governo faça o que nenhum outro fez antes. Contam com a sua unidade, organização e disponibilidade para lutar. Têm do seu lado o PCP.
A luta firme dos trabalhadores travou os intentos da multinacional
Tal como foi decidido nos plenários de dias 17 e 18 deste mês (que noticiámos no número anterior), os representantes dos trabalhadores tentaram reunir com a entidade patronal, com um objectivo concreto: esclarecer por quanto tempo será o adiamento da decisão de despedir quase metade do pessoal e levar a produção de condensadores de tântalo para outra fábrica da Kemet, no México.
Na breve comunicação que enviou a 14 de Janeiro, a direcção escreveu que a empresa «decidiu encerrar e dar sem efeito» o despedimento colectivo. Deixou um enigma por resolver: «Na verdade, apesar de a respectiva fundamentação se manter integralmente válida, por razões que se prendem com um esforço negocial desenvolvido por esta direcção junto dos seus accionistas, o tempo de aplicação da medida sofreu alterações que justificam esta nossa decisão.»
O que se tem visto e sentido no interior da fábrica justifica todas as cautelas e a atitude vigilante dos trabalhadores e dos seus eleitos. Hugo Fernandes e José Martins, delegados sindicais do Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas (SIESI, da Fiequimetal/CGTP-IN), e José Fialho, representante para a Segurança e Saúde no Trabalho, começaram por referir à nossa reportagem os antecedentes mais próximos do despedimento, que mostram como a instabilidade, a desunião e a insegurança se integram na estratégia patronal de busca do máximo lucro.
Foi lançado um «concurso» que deveria servir para a empresa seleccionar quem iria para a produção de condensadores electrolíticos, mas já depois de estarem a funcionar duas das quatro linhas anunciadas para a fábrica de Évora. Ao quererem estabelecer um «ranking» do pessoal, com indefinições acerca de quantos trabalhadores iriam ser necessários no novo produto e nos condensadores de tântalo, os responsáveis da Kemet estavam a preparar o terreno para anunciarem quantos queriam despedir.
Alegar redução da procura é um argumento que os trabalhadores não aceitam. Dizem-nos que a Kemet tem estado sempre a subir e duplicou o número de peças vendidas, de 2007 para 2011. Tem feito importantes aquisições de empresas concorrentes, destacando-se a compra da NEC Tokin, outro gigante do sector, e os investimentos na China e no México. «Compra aqui, fecha ali» é a prática conhecida da multinacional, na busca de menores custos.
Os custos de mão-de-obra não são os mais relevantes, ficando bastante abaixo da despesa de energia eléctrica e dos impostos. Poderia isso justificar aquilo que nos descrevem como «bom ambiente», vivido na fábrica desde a sua inauguração, em Setembro de 1998. A nova unidade de condensadores de tântalo fazia então parte do consórcio Siemens Matsushita e veio instalar-se na proximidade da fábrica de relés da multinacional alemã (que entretanto passou para a Tyco).
Os dois delegados sindicais entraram nessa altura. Dizem que o pessoal era bem pago, havia respeito... A mudança, deste ponto de vista, notou-se desde há cerca de três anos, quando a Kemet (que em Fevereiro de 2006 adquiriu a Epcos, a qual entretanto ganhara nome próprio, independente do grupo nipo-alemão) determinou uma mudança no tipo de direcção.
A partir de então, contam os representantes dos trabalhadores, quem ia colocar um problema aos Recursos Humanos saía de lá com outro, que era a empresa saber da sua situação. Isso chegou a servir para tentarem cortar direitos e reduzir o valor do trabalho.
Basta!
A denúncia do comportamento patronal na Kemet chegou à tribuna da 6.ª Assembleia da Organização Regional de Évora do PCP, em Junho de 2006. Um ano depois, João Oliveira questionava o Governo sobre a intenção de despedimento de 170 trabalhadores. No requerimento, o deputado e membro do Comité Central do Partido lembrava que a Epcos – em contratos de investimento que transitaram, com benefícios e obrigações, para a Kemet – tinha o compromisso de criar 1100 postos de trabalho, mas apenas chegou ao máximo de 670.A empresa procurou extinguir as categorias profissionais, o que provocou grande descontentamento. Desde esse período, ficou claro para os trabalhadores que a representação dos seus interesses não estava em boas mãos com o SIMA, da UGT. Quem devia fiscalizar, como a ACT, mostrou-se afinal pouco pronto para fazer frente à multinacional.
«Começámos a falar uns com os outros e a dizer que tínhamos que pôr um ponto final nisto», recorda José Martins. Em dois ou três meses, foi largamente superado o limite legal dos cem sindicalizados no SIESI e foi constituída uma comissão sindical combativa.
Na Primavera de 2010, as alterações na organização dos horários, implicando significativas perdas salariais (agravadas por três anos sem aumentos), já tiveram como resposta a luta colectiva, com greves parciais e protestos junto aos portões da fábrica.
Mudou igualmente a forma como passaram a ser recebidos, nos contactos com os trabalhadores, os dirigentes do PCP, prestando informação sobre as iniciativas desenvolvidas e dando apoio à luta. Hoje é com naturalidade que o pessoal encara o facto de os delegados sindicais serem comunistas e até dirigentes concelhios do Partido, em Vendas Novas e Viana do Alentejo.
«Pai, como foi o dia?»
Animados pela recente vitória, os representantes dos trabalhadores não deixam de ter a noção de que outras dificuldades estão para vir, pois «estas multinacionais usam todo o tipo de pressões» para tentarem liquidar a resistência. José Martins reconhece que «acabamos por ser castigados», seja pelo tipo de trabalho que é atribuído, seja pelo local onde são colocados. E «também já tivemos propostas para rescindir». Os que mandam na Kemet «querem fazer de nós um exemplo, mas se conseguirmos resistir, isso também é exemplo».
Hugo Fernandes encara com confiança as batalhas futuras, nota que muitos dos trabalhadores, como ele, «tínhamos vinte anos, quando viemos para aqui, mas agora estamos a passar dos trinta para os quarenta, temos família» e «quando o filho nos pergunta como foi o dia no trabalho, nós temos que dizer a verdade e, depois, não podemos dizer que não se fez nada». E assim «chega o momento em que a coragem se impõe e as pessoas dão o grito».
Exemplo e estímulo
Para Rogério Duarte Silva, que na Direcção da Organização Regional de Évora do PCP tem a responsabilidade da célula dos trabalhadores comunistas nas indústrias eléctricas – onde se integram os camaradas da Kemet –, «esta vitória vigilante é um exemplo», sob vários pontos de vista. Por um lado, nesta fábrica «vê-se como da luta nasce a organização sindical, com a consciência de que é preciso mudar» a reacção aos problemas que a todos afectam. Também da luta «tem nascido a consciência política, os trabalhadores apercebem-se de que os partidos não são todos iguais».
Foi também exemplar a decisão de manter iniciativas de luta, depois de ser conhecido o recuo da empresa. Estavam marcados dois dias de greve, a 17 e 18 de Janeiro, com concentrações à entrada da Kemet, e os trabalhadores corresponderam à iniciativa do sindicato, que reduziu a greve a uma hora por dia, para realização de plenários.
Este exemplo representa também um estímulo, para levar a outras empresas do sector. «Ficou aqui provado que, com organização e luta, consegue-se defender os postos de trabalho e os direitos dos trabalhadores», diz Rogério Silva, lembrando outros casos recentes no distrito, como a RTS, do sector da construção, e a Marmetal, a Marmoz ou a Marbrito, nos mármores.
Das suspeitas legítimas
o Governo nada diz
O Ministério da Economia e do Emprego deu ao PCP «uma resposta que é bem o exemplo do Governo que temos e a quem ele serve», como disse o deputado João Oliveira aos trabalhadores da Kemet, no plenário de dia 18. A pergunta do deputado comunista foi colocada na AR a 28 de Novembro, dois dias após a empresa ter anunciado o despedimento colectivo.
Dos gabinetes de Álvaro Santos Pereira, veio o relato dos dois processos de lay-off, em 2009 e 2011-2012, com a empresa a invocar então a redução de encomendas, e uma breve descrição deste último despedimento, que seria uma «medida urgente de reestruturação» por causa de «uma redução na procura de condensadores de tântalo de MnO2».
A «resposta» do Governo ignorou todas as perguntas que o deputado comunista colocou ao Governo a 29 de Novembro e que reflectem tanto as preocupações dos trabalhadores da Kemet, como a inquietação de todos os que se preocupam com a economia na região e com os interesses do País.
O ministro não disse:
- que compromissos foram assumidos e que apoios receberam a Kemet e as empresas que a antecederam na posse da fábrica (Siemens-Matsushita e Epcos);
- quais os prazos para cumprimento dessas obrigações e obtenção dos apoios;
- que fez o Governo para garantir o cumprimento das obrigações pela empresa;
- como avalia o Governo a progressiva redução de pessoal e a transferência de linhas de produção para outros países;
- quais as medidas do Governo para evitar o despedimento colectivo que estava em marcha;
- que medidas vai o Governo adoptar para evitar que a empresa desrespeite os compromissos que assumiu, nomeadamente, para evitar o processo de deslocalização que parece estar em curso.
O ministro não contrariou as «legítimas suspeitas de que a empresa se prepara para se deslocalizar de vez, encerrando a unidade de Évora». João Oliveira alertou que a Kemet tem reduzido o número de trabalhadores e «está deliberadamente a criar condições de quebra de produtividade, de desvantagem competitiva e de perda de viabilidade económica, com que possa justificar posteriormente a sua deslocalização». A multinacional mantém em Évora «linhas de produção de pouca incorporação tecnológica e com menor possibilidade de expansão de mercado, ao mesmo tempo que instala ou transfere para outros países linhas de produção de maior inovação e com maior potencial de mercado e de desenvolvimento».
O deputado do PCP ainda recordou ao ministro que «este processo nem seria sequer novidade» na história da Kemet, referindo um processo recente, de contornos semelhantes, que visava o encerramento da fábrica da multinacional em Monghidoro, na Itália. Só que, aqui, «foi exigido o cumprimento dos compromissos assumidos com o Estado, obrigando a uma reorganização empresarial que não só permite a manutenção dos postos de trabalho, como aponta perspectivas de contratação de mais cem trabalhadores até Agosto».
Em Évora, salientou João Oliveira, «exige-se do Governo uma atitude firme», seja «em defesa dos interesses dos trabalhadores e da economia regional e nacional», seja na exigência de que a Kemet cumpra os compromissos, seja ainda «na definição de soluções que garantam a manutenção dos postos de trabalho e o desenvolvimento da actividade económica no futuro».
«Só a luta forte e determinada dos trabalhadores poderá derrotar mais esta tentativa de atropelo à lei e aos direitos laborais», sublinhava a Direcção da Organização Regional de Évora do PCP, num comunicado de 29 de Novembro. Derrotado o despedimento colectivo, a luta em unidade é a mais sólida garantia de futuro.