Por uma outra ordem mundial
Deve ser ressaltada a defesa dos princípios do direito internacional
Nos dias que antecederam a Páscoa realizou-se na África do Sul a 5.ª Cimeira do BRICS, organização que junta cinco «potências emergentes»: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A reunião de chefes de Estado de Durban de 26-27 de Março aconteceu num momento complexo em que se alargam os perigos e focos de tensão mundial, tendo como pano de fundo o desenrolar da crise sistémica do capitalismo e, particularmente, a trajectória descendente dos três vértices que compõem a «tríade imperialista» (EUA, UE e Japão).
Sob o tema, «BRICS e África: Parceria para o Desenvolvimento, Integração e Industrialização», o encontro de Durban encerrou o ciclo inaugural de cimeiras, realizadas nos cinco países membros, iniciado em 2009 na Rússia (ainda sem a África do Sul que se juntou aos então BRIC em 2010, por proposta da China). A sua realização no continente africano revestiu-se de um significado transcendente, face à campanha intervencionista e recolonizadora lançada em África pelas grandes potências da NATO.
Os grandes centros de difusão do pensamento dominante não conseguem esconder a inquietação do imperialismo com o avanço da articulação e cooperação dos BRICS. Um despacho da Reuters fala de retórica não suportada pela substância. Quando em 2012, na Cimeira de Nova Deli, os cinco países – que representam 40 por cento da população mundial e quase um terço do PIB mundial em termos de poder de compra comparado – decidiram acelerar o processo com vista à utilização das divisas próprias no seu comércio e estudar a constituição de um banco comum, muitos viram-no como sinal de um violento choque monetário. Pesarosamente o Washington Post qualificava a cimeira como o começo de uma nova era.
De facto, o lento caminhar do processo de acordos monetários alternativos ao dólar mexe com o nervo da correlação de forças mundial. Sendo evidente o potencial disruptivo para a presente ordem internacional – anti-democrática, exploradora e neocolonial –, encarnado pela articulação dos países do BRICS, apesar de todas as diferenças de ordem diversa que os distinguem.
Da declaração e plano de acção saídos de Durban, para além da decisão de constituir um banco de desenvolvimento comum em bases equitativas (que se espera possa ser concretizada num futuro próximo) e da intenção de criar um fundo de reserva de cem mil milhões de dólares para os países em desenvolvimento, deve ser ressaltada a defesa dos princípios do direito internacional e o papel central da Carta da ONU. Merece atenção o apoio aos processos de integração em África e ao papel da UA e organizações regionais africanas. Em questões angulares que marcam a arena internacional, como os casos da Palestina, Síria, Irão, Mali – para só citar alguns – a declaração da Cimeira contrasta com as posições e prática de Washington, Paris, Londres ou Berlim.
Esta cimeira confirma a dinâmica de transformação do acrónimo BRICS num organismo político e económico internacional influente. O que não deixa de corresponder a uma necessidade objectiva do processo de emancipação e progresso social e um elemento da confrontação, no momento concreto, com os constrangimentos de uma ordem mundial injusta e anacrónica. Incontornavelmente, a China desempenha um papel central. Basta lembrar as relações com África (1.º parceiro comercial), Brasil e América Latina e a Rússia, primeiro país visitado pelo presidente Xi Jinping. Não admira que para os EUA a divisão dos BRICS esteja inscrita como uma das prioridades estratégicas para os próximos anos.