Uma teoria e uma prática determinantes
Maio é por excelência o mês de falar dos trabalhadores e da sua luta. Uma luta secular por direitos fundamentais, por uma sociedade sem exploração nem opressão – a sociedade socialista. Uma luta que teve – e de certa forma tem ainda – em Álvaro Cunhal não só um defensor coerente e dedicado mas sobretudo um construtor: do seu Partido de classe, o Partido Comunista Português; dos difíceis caminhos a trilhar para a sua unidade e organização; de muitos combates, maiores e menores, mas sempre travados. Nestas páginas, recorrendo a várias obras de Álvaro Cunhal e a intervenções proferidas na sessão pública «Álvaro Cunhal, a organização e a luta dos trabalhadores», realizada no Porto no dia 4 de Maio, procuraremos destacar aspectos fundamentais do pensamento e da acção do histórico dirigente comunista acerca da organização e luta dos trabalhadores.
Se há tema em que a selecção dos assuntos e das fontes se torna uma tarefa hercúlea é este, devido à dimensão e profundidade da obra e da acção revolucionária de Álvaro Cunhal directa ou indirectamente relacionada com a organização e a luta dos trabalhadores. Procuraremos, pois, focar-nos em alguns daqueles que, mesmo produzidos em condições históricas específicas, mantêm uma inegável actualidade.
A unidade da classe operária, sublinhou Francisco Lopes na sessão do Porto, é um «elemento determinante da sua força. Nem o capital nem o poder político que o serve, por muita força que tenham, são capazes de se opor à força que resulta da unidade dos trabalhadores, assente na sua organização e expressa na luta de massas. A força dos trabalhadores frente ao capital baseia-se na unidade em torno dos seus interesses de classe, em que a defesa desses interesses de classe é o elemento que os une». Também nesta matéria, como aliás sublinhou o membro dos organismos executivos do Comité Central nessa sessão, a contribuição de Álvaro Cunhal foi de enorme importância.
O PCP e a frente única
No informe que apresenta ao III Congresso do Partido, o primeiro na clandestinidade – realizado em 1943, quando o fascismo sufocava Portugal e parte considerável da Europa –, Álvaro Cunhal desenvolve a teoria partidária relativamente à premente questão da unidade da classe operária, que nas condições de então estaria «na base da Unidade Nacional Antifascista». Considerando a frente única da classe operária como uma «condição indispensável da sua vitória contra a ofensiva do capital e contra a forma mais brutal do domínio de classe da burguesia: o fascismo», Álvaro Cunhal rejeitava cópias mecânicas da linha adoptada em França e em Espanha, que a faziam assentar na unidade entre o Partido Comunista e outras organizações operárias.
Dadas as condições então existentes no País, com a «maioria esmagadora da classe operária» a não pertencer a qualquer organização política e com estas a serem, à excepção do PCP, residuais e sem qualquer ligação efectiva com as massas, a frente única deveria assentar noutros moldes: para Álvaro Cunhal, ela «só podia realizar-se de facto na medida em que as massas de operários desorganizados se unissem na luta diária pelos interesses imediatos, na medida em que lutassem nas fábricas, nas empresas e nas oficinas. É nesta luta diária que está a chave da organização da frente única operária no nosso País».
Realizado numa altura em que se travavam no País «potentes lutas de massas, em que a classe operária se mostra unida numa mesma frente de combate», o então membro do Secretariado garantia ser precisamente «nestas acções de massas operárias, nas lutas constantes, insistentes, multiplicando-se e renovando-se sem cessar, que se realiza de facto a frente única. É nestas acções que os trabalhadores unidos encontram o caminho da luta vitoriosa contra o patronato e o fascismo». A frente única não seria realizada em Portugal através de acordos entre organizações operárias, mas nas mais variadas formas de luta.
Estar onde estão as massas
Intimamente ligada à construção da frente única da classe operária surgia uma outra questão, a da intervenção sindical. Esta, num momento em que os sindicatos livres há muito tinham sido encerrados e em que o fascismo integrava os sindicatos na estrutura corporativa do Estado, não era de todo um problema de fácil resolução. No mesmo informe, Álvaro Cunhal critica a posição anterior do Partido de tentar «reconstruir os sindicatos livres, dando-lhes uma vida ilegal e julgando assim romper a nova legalidade fascista», garantindo tratar-se de uma orientação errada: «O Partido e a CIS menosprezaram as possibilidades organizativas do fascismo, ao mesmo tempo que sobrestimaram as suas próprias forças. O Partido e a CIS não se deram conta da impossibilidade da criação de verdadeiros sindicatos ilegais, da impossibilidade de atrair as vastas massas operárias a organizações ilegais.»
A «nova» orientação – abordada logo em 1935, após o regresso de Bento Gonçalves do VII Congresso da Internacional Comunista, mas posta de lado pouco tempo depois na sequência da prisão do então Secretário-geral do Partido – era de trabalhar no seio dos Sindicatos Nacionais, que eram já nessa altura, e por diversas razões, amplas organizações de massas. Com esta intervenção pretendia-se pressionar as direcções sindicais a defenderem os legítimos direitos dos trabalhadores, desmascarar as direcções fascistas e eleger direcções da confiança dos trabalhadores.
Se em 1943 esta «nova linha» tinha já garantido alguns êxitos na mobilização e organização dos trabalhadores, ela seria fundamental para grandes lutas e vitórias nos anos e décadas seguintes.