Comentário

A luta das mulheres com deficiência

Inês Zuber

A pro­pó­sito de um re­la­tório que se en­contra em dis­cussão no PE sobre as mu­lheres com de­fi­ci­ência, o PCP or­ga­nizou uma au­dição sobre o tema em Lisboa, com di­versas or­ga­ni­za­ções que tra­ba­lham nesta área, e na qual re­co­lhemos va­li­osos con­tri­butos para a re­flexão de um pro­blema cuja in­vi­si­bi­li­dade so­cial é gri­tante. Hoje, no quadro da apli­cação do «pacto de agressão» da troika as­sis­timos ao ca­minho do em­po­bre­ci­mento do País, re­a­li­dade que, sabe-se, afecta mais as mu­lheres do que os ho­mens. Baixos sa­lá­rios, dis­cri­mi­na­ções sa­la­riais di­rectas e in­di­rectas, de­sem­prego são fla­gelos que pe­na­lizam mais as mu­lheres do que os ho­mens. Mas se fa­larmos em mu­lheres com de­fi­ci­ência, en­tramos num campo de ainda mai­ores vul­ne­ra­bi­li­dades – o campo da mul­ti­dis­cri­mi­nação. A Con­venção da ONU sobre os Di­reitos das Pes­soas com De­fi­ci­ência (2006) de­fine no seu ar­tigo 6.º que «Os Es­tados Partes re­co­nhecem que as mu­lheres e ra­pa­rigas com de­fi­ci­ência estão su­jeitas a dis­cri­mi­na­ções múl­ti­plas e, a este res­peito, devem tomar me­didas para lhes as­se­gurar o pleno e igual gozo de todos os di­reitos hu­manos e li­ber­dades fun­da­men­tais». A Con­venção foi as­si­nada por vá­rios países, in­cluindo Por­tugal, e pela UE. A re­a­li­dade en­contra-se, in­fe­liz­mente, muito dis­tante da fun­da­men­tação teó­rica.

Se­gundo as es­ti­ma­tivas da ONU de 2010, cerca de 15 por cento da po­pu­lação têm de­fi­ci­ência, e es­tima-se que as mu­lheres es­tejam aqui em mai­oria. O di­reito do acesso ao em­prego, con­sa­grado cons­ti­tu­ci­o­nal­mente, não é cum­prido em Por­tugal, como sa­bemos. Sabe-se que o de­sem­prego de longa du­ração e as taxas de in­su­cesso na pro­cura de em­prego são mai­ores entre as pes­soas com de­fi­ci­ência. Sabe-se que os ní­veis de for­mação pro­fis­si­onal são mais baixos nas pes­soas com de­fi­ci­ência e que estas estão mais ex­postas a em­pregos tem­po­rá­rios e com menos pers­pec­tivas de de­sen­vol­vi­mento fu­turas. Sabe-se que os tra­ba­lha­dores com de­fi­ci­ência são os pri­meiros a serem pres­cin­didos em caso de des­pe­di­mentos. A si­tu­ação piora se ana­li­sarmos o caso das mu­lheres com de­fi­ci­ência – são menos qua­li­fi­cadas no tra­balho do que os ho­mens com de­fi­ci­ência, têm também taxas mais altas de de­sem­prego. As mu­lheres com de­fi­ci­ência têm, por­tanto, entre as pes­soas com de­fi­ci­ência, um maior risco de ex­clusão so­cial. Em Por­tugal, os cortes na edu­cação e nos apoios so­ciais con­di­ci­onam ainda mais o acesso à for­mação, tão ne­ces­sária para ate­nuar as causas da dis­cri­mi­nação, e im­pres­cin­dível, por exemplo, para aceder à função pú­blica. No âm­bito das po­lí­ticas cha­madas de aus­te­ri­dade, os cortes nas isen­ções e apoios no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, nos fundos para apoiar os acom­pa­nhantes e cui­da­dores das pes­soas com de­fi­ci­ência, a di­mi­nuição dos apoios fi­nan­ceiros às or­ga­ni­za­ções e ins­ti­tui­ções que apoiam as fa­mí­lias de pes­soas com de­fi­ci­ência, têm cau­sado ver­da­deiros re­tro­cessos ci­vi­li­za­ci­o­nais que es­capam, muitas vezes, ao olhar pú­blico. Como es­creveu a APD, em co­mu­ni­cado no dia 8 de Março de 2013, pode-se afirmar que «o se­gundo de­cénio do sé­culo XXI faz re­tornar pas­sadas ex­clu­sões: na edu­cação, na saúde, no tra­balho, na mo­bi­li­dade, na vida fa­mi­liar, e no di­reito às re­la­ções amo­rosas, ao ca­sa­mento, à ma­ter­ni­dade e a ou­tras pro­tec­ções so­ciais». Aos já in­su­fi­ci­entes apoios às mu­lheres com de­fi­ci­ência juntam-se agora todos os cortes nos apoios so­ciais que con­di­ci­onam e co­locam em causa, por exemplo, o di­reito uni­versal à ma­ter­ni­dade. O di­reito a ser mãe, à ma­ter­ni­dade, a per­fi­lhar, a casar, à saúde se­xual e re­pro­du­tiva deve ser ga­ran­tido a todos. No caso das mu­lheres com de­fi­ci­ência – e, so­bre­tudo, das mu­lheres com de­fi­ci­ência in­te­lec­tual – esses di­reitos serão tão menos al­can­çá­veis quanto mais a so­ci­e­dade e o Es­tado não ga­ran­tirem o apoio a estas mu­lheres. A quantas mu­lheres de­fi­ci­entes em Por­tugal é ne­gado o di­reito à ma­ter­ni­dade? A quantas lhes é re­ti­rada ju­di­ci­al­mente a pos­si­bi­li­dade de op­tarem pela ma­ter­ni­dade? Quantas es­te­ri­li­za­ções for­çadas são feitas a mu­lheres com o nome de «es­te­ri­li­za­ções te­ra­pêu­ticas»? Quantas mu­lheres com de­fi­ci­ência são ví­timas de vi­o­lência? Como é que as fa­mí­lias são apoi­adas? E quantas mu­lheres com de­fi­ci­ência são hoje ex­plo­radas se­xu­al­mente e obri­gadas a pros­ti­tuírem-se, nos con­textos so­ciais de cada vez maior po­breza?

In­fe­liz­mente, os re­latos que nos chegam não são ani­ma­dores. Só uma so­ci­e­dade que apoie e con­tribua para o de­sen­vol­vi­mento das po­ten­ci­a­li­dades, da ca­pa­ci­dade, da au­to­nomia das mu­lheres com de­fi­ci­ência será uma so­ci­e­dade não-dis­cri­mi­na­tória. No âm­bito das po­lí­ticas eco­nó­micas de classe da UE e de Por­tugal, tal será im­pos­sível. A luta das mu­lheres com de­fi­ci­ência deve, ser também, uma luta de todos os que am­bi­ci­onam a igual­dade e a dig­ni­dade.




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