Libertar Lisboa dos negócios do PS

Modesto Navarro

Na aná­lise do re­la­tório e contas de 2012, de­vemos ve­ri­ficar se a ac­ti­vi­dade de­sen­vol­vida pela Câ­mara Mu­ni­cipal de mai­oria PS serviu Lisboa e os mu­ní­cipes, ou se serviu a es­pe­cu­lação e os grandes in­te­resses que ocupam e querem ocupar a ci­dade.

Nós vo­támos contra o plano de ac­ti­vi­dades e o or­ça­mento para 2012. Nós vo­támos contra o des­man­te­la­mento da Câ­mara Mu­ni­cipal e a cha­mada re­or­ga­ni­zação dos ser­viços. E tí­nhamos razão. Para além dos pre­juízos cau­sados aos mu­ní­cipes, e sem con­si­de­ração pela im­por­tância da po­pu­lação pen­dular, a que entra e sai todos os dias, baixou o nú­mero de tra­ba­lha­dores e di­ri­gentes e a con­fusão ins­talou-se; mas os con­tratos de pres­tação de ser­viços con­ti­nu­aram a au­mentar, bem como a ex­ter­na­li­zação de áreas e res­pon­sa­bi­li­dades mu­ni­ci­pais e a pre­pa­ração de pri­va­ti­za­ções na hi­giene e lim­peza ur­bana e sa­ne­a­mento, por exemplo. Os gastos com for­ne­ci­mentos e ser­viços de ter­ceiros cres­ceram 6 mi­lhões de euros em 2012.

Os custos com pes­soal bai­xaram 16 mi­lhões de euros, so­bre­tudo pelo não pa­ga­mento de sub­sí­dios aos tra­ba­lha­dores, e esse di­nheiro es­vaiu-se também na ex­ter­na­li­zação de ac­ti­vi­dades da Câ­mara, não se ve­ri­fi­cando pou­pança fi­nan­ceira que se de­veria ter re­flec­tido desde logo em me­lhores con­di­ções para os tra­ba­lha­dores, como de­fen­demos na de­vida al­tura.

O ne­gócio dos ter­renos do ae­ro­porto com o Go­verno PSD/​CDS-PP pode ter ge­rado al­gumas cen­tenas de mi­lhões de euros na pri­va­ti­zação da ANA, mas esses mi­lhões já lá vão, nos juros da dí­vida, nas ajudas do Go­verno PSD/​CDS-PP aos bancos fa­lidos e nesse es­cân­dalo da venda do BPN ao BIC, que agora exige mais cem mi­lhões de euros. Este ne­gócio, em que a Câ­mara Mu­ni­cipal de mai­oria PS par­ti­cipou ac­ti­va­mente, pode ter tra­zido 271 mi­lhões de euros ao mu­ni­cípio em 2012, mas os pre­juízos para a eco­nomia na­ci­onal e para a ci­dade são bem mais pe­sados, na perda do do­mínio do es­paço aéreo e da in­de­pen­dência do País nesta área es­sen­cial e de­ci­siva para a nossa eco­nomia e fu­turo.

En­tre­tanto, as trans­fe­rên­cias obri­ga­tó­rias do Or­ça­mento de Es­tado de­cres­ceram 5%.

A des­pesa cor­res­pon­dente ao plano de ac­ti­vi­dades foi apenas de 180 mi­lhões de euros, com uma taxa de exe­cução de 58%. E aqui está a pedra de toque para ana­li­sarmos a si­tu­ação da ci­dade e o que era im­por­tante fazer e não foi feito para en­frentar uma re­a­li­dade dra­má­tica, em que os lis­bo­etas estão cada vez mais po­bres e de­sem­pre­gados. Os roubos nos sa­lá­rios, pen­sões, sub­sí­dios e pres­ta­ções so­ciais que so­fremos e en­fren­tamos; o de­sem­prego ga­lo­pante é geral e com re­flexos vi­o­lentos no­me­a­da­mente entre os jo­vens, que emi­gram, apesar das qua­li­fi­ca­ções que têm, e por isso mesmo, vão dar força a ou­tros países e eco­no­mias; a des­truição de ser­viços pú­blicos, os cortes nos trans­portes, o au­mento das rendas de casa, a quebra brutal de ren­di­mentos das fa­mí­lias, tudo isto advém de um pacto da troika in­terna, PS, PSD e CDS-PP, com a toika es­tran­geira, ainda em tempo do go­verno do PS.

En­fren­tamos agora a agonia deste Go­verno PSD/​CDS-PP, findas as ne­go­ci­a­ções em que o PS es­teve en­vol­vido, sob o pa­tro­cínio e a vi­gi­lância de Ca­vaco Silva. A si­tu­ação afunda-se, na re­cusa do PS em se voltar a sério para uma po­lí­tica e um go­verno de es­querda.

PS e PSD contra a ci­dade

Lá de fora, e cá dentro, os grandes pa­trões e es­pe­cu­la­dores mandam. Os altos juros da dí­vida es­correm para o grande ca­pital e para os bancos. Os re­flexos bru­tais desta po­lí­tica estão aí, na re­a­li­dade de Lisboa, a ca­pital do País. O PS, o PSD e o CDS-PP es­ti­veram e estão nos go­vernos cen­trais e es­ti­veram du­rante os úl­timos doze anos no go­verno da ci­dade. Quem foi pro­ta­go­nista e res­pon­sável deve agora ser res­pon­sa­bi­li­zado, na­quilo que é pos­sível fazer de ba­lanço neste man­dato e em 2012, no­me­a­da­mente no con­tri­buto que o PSD deu ao PS na cha­mada re­es­tru­tu­ração ad­mi­nis­tra­tiva dos ser­viços, na brutal re­forma ad­mi­nis­tra­tiva da ci­dade, com a ex­tinção de 29 fre­gue­sias e a des­truição de pro­xi­mi­dade e ser­viços à po­pu­lação, na apro­vação de um PDM que aí está a causar in­qui­e­ta­ções e es­tragos, por exemplo nas ope­ra­ções de lo­te­a­mento dos hos­pi­tais de S. José, Mi­guel Bom­barda, Ca­pu­chos e Santa Marta.

A alta es­pe­cu­lação es­teve em 2012 e está cada vez mais à solta, nas ope­ra­ções da ES­TAMO em que a Câ­mara de mai­oria PS co­la­bora. A Câ­mara fa­vo­receu e fa­vo­rece grandes opor­tu­ni­dades de ne­gócio à custa dos ser­viços pú­blicos de saúde que devia de­fender e que ajuda a ex­tin­guir, re­ti­rando hos­pi­tais e ser­viços de zonas-chave da ci­dade, au­men­tando o de­sem­prego em Lisboa e a au­sência de res­postas pú­blicas e sé­rias à po­pu­lação de Lisboa e da área me­tro­po­li­tana, dando co­ber­tura à cons­trução de con­do­mí­nios de luxo em zonas onde existem tantos edi­fí­cios à es­pera de re­a­bi­li­tação e que po­diam subs­ti­tuir esses ne­gó­cios des­trui­dores.

Em dez anos, Lisboa perdeu mais de 30% do pes­soal das uni­dades de saúde. Hos­pi­tais com in­ves­ti­mentos re­centes e em pleno fun­ci­o­na­mento estão ame­a­çados. Também se perdem es­ta­ções dos cor­reios, sem a Câ­mara PS ter uma ati­tude de de­fesa dos ha­bi­tantes dos bairros e fre­gue­sias. Trata-se da des­truição dos CTT, como já foi a pri­va­ti­zação da ANA, e a Câ­mara de mai­oria PS apoia.

De­gra­dação da qua­li­dade de vida, em­po­bre­ci­mento eco­nó­mico, so­cial e cul­tural; des­truição de áreas pro­du­tivas; di­fi­cul­dades acen­tu­adas dos pe­quenos em­pre­sá­rios e en­cer­ra­mento de em­presas, co­mércio e mer­cados de pro­xi­mi­dade; pro­blemas na ha­bi­tação que também se avo­lumam nos bairros so­ciais, onde vivem mais de 100.000 pes­soas; a re­a­bi­li­tação mu­ni­cipal não existe; o edi­fi­cado de­grada-se; a lim­peza e hi­giene ur­bana são um de­sastre; as vias, as ruas e ave­nidas estão de­gra­dadas; cresce o iso­la­mento das pes­soas e baixou em 2012 a do­tação para o apoio so­cial; en­co­menda-se a pri­vados o que devia ser feito pela Câ­mara Mu­ni­cipal; fa­vo­rece-se a pri­va­ti­zação dos trans­portes pú­blicos, numa luta entre o PS na Câ­mara e o Go­verno para ver quem vai as­sumir a Carris e o Metro e pre­parar os ne­gó­cios e par­ce­rias em vista; atacam o di­reito à mo­bi­li­dade das po­pu­la­ções, os mais po­bres são im­pe­didos de cir­cular na ci­dade com os seus carros, os preços dos bi­lhetes e passes crescem, os sa­lá­rios e pen­sões descem e isto anda tudo li­gado, nesse imenso pro­jecto de des­ca­rac­te­rizar Lisboa e metê-la nas mãos dos grandes es­pe­cu­la­dores, sempre à es­preita de ne­gó­cios e mais ne­gó­cios.

Em Lisboa, quem criou e cria os pro­blemas só tra­balha para agravá-los.

Os eixos Ci­dade Ami­gável e Ci­dade de Opor­tu­ni­dades ti­veram apenas, res­pec­ti­va­mente, 58,4% e 59,3% de exe­cução em 2012. Nós, no PCP e na CDU, aqui es­ti­vemos e es­tamos, lu­tando contra o que pre­ju­dicou e pre­ju­dica a ci­dade, vo­tando contra este re­la­tório e contas de 2012, fa­zendo pro­postas e opo­sição com tra­balho, ho­nes­ti­dade e com­pe­tência, não nos pou­pando a es­forços para de­fender o que era, e é, es­sen­cial, e en­con­trando so­lu­ções ade­quadas para os pro­blemas que afligem quem tra­balha e quem vive na ci­dade, nos bairros e fre­gue­sias.

A pro­xi­mi­dade às po­pu­la­ções; o ca­rácter dis­tin­tivo do nosso tra­balho, as pro­postas e o pro­grama que apre­sen­tamos; a luta pela justa re­par­tição de be­ne­fí­cios so­ciais, eco­nó­micos e cul­tu­rais, con­tra­ri­ando as enormes de­si­gual­dades que esta gestão de mai­oria PS na Câ­mara fa­vo­receu e apro­funda; a de­fesa e pro­moção de Lisboa como ci­dade pen­sada e cons­truída por todos e para todos estão nos nossos ob­jec­tivos, no tra­balho que re­a­li­zamos com vista a um novo fu­turo e a um poder local efe­ti­va­mente de­mo­crá­tico na ci­dade.

 



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