Neoliberalismo, religião da desigualdade…

Jorge Messias

«O ne­o­li­be­ra­lismo surgiu de­pois da II Guerra Mun­dial, tendo por base um texto da au­toria de Fre­de­rich Hayek. Neste do­cu­mento ("O ca­minho da ser­vidão", 1944), o autor cri­tica a au­sência de li­ber­dade dos ci­da­dãos quando existe um Es­tado de pro­vi­dência e bem-estar... Hayek de­monstra, mesmo, a sua crença na de­si­gual­dade so­cial como um valor a res­guardar, po­sição oposta à que pre­va­lecia no pen­sa­mento po­lí­tico da época» (Ne­o­li­be­ra­lismo, In­for­pedia, Porto).

«O que di­vide os ho­mens não são as coisas mas as ideias que eles têm em re­lação às coisas. As ideias dos ricos são bem di­fe­rentes das ideias dos po­bres. A fome não é um fe­nó­meno na­tural mas, sim, po­lí­tico...» Josué de Castro, Se­gu­rança Ali­mentar, 1958 ).

«Con­si­de­ramos que a Co­mu­ni­cação So­cial pode re­pre­sentar uma das prin­ci­pais fontes da te­oria e aná­lise mar­xista acerca do ca­pi­ta­lismo con­tem­po­râneo. Os con­ceitos de im­pe­ri­a­lismo, ca­pi­ta­lismo mo­no­po­lista e con­cen­tração fi­nan­ceira, são vi­tais para a nossa com­prensão do que está a acon­tecer na eco­nomia e na so­ci­e­dade. Sem esse es­forço, estes con­ceitos e estas aná­lises, ja­mais nos será pos­sível en­tender a crise ou re­flectir sobre para onde nos estão a levar e como de­ve­remos res­ponder ...» (Monthly Re­view, 14.9.2011).

«A mi­séria é o re­verso da me­dalha da falsa abun­dância. Está em todos os lados onde existe uma so­ci­e­dade to­ta­li­tária mer­cantil. E num sis­tema onde a de­si­gual­dade seja si­nó­nimo de pro­gresso, a fome ja­mais po­derá de­sa­pa­recer... » (Isaac Singer, «A ser­vidão mo­derna»).

A ca­ri­dade fi­lan­tró­pica, a dis­tri­buição ca­pi­ta­lista da ri­queza e a te­o­logia da pros­pe­ri­dade, tudo isto nos faz lem­brar a tróica em Por­tugal, as vi­a­gens do Papa e o agro­ne­gócio no Brasil. Uma com­bi­nação de ve­nenos mor­tais… Porque os contra-va­lores te­o­ló­gicos servem sempre de capa à ex­plo­ração do homem es­cra­vi­zado que é apre­sen­tado pelos seus se­nhores (quando pas­si­va­mente aceita o seu jugo) como um ser ad­mi­rável, san­ti­fi­cado pelo seu mudo so­fri­mento cristão. Por isso, as vi­a­gens pa­pais de ne­gó­cios ga­nham sempre um grande in­te­resse. Para a mais re­cente des­lo­cação do Papa Fran­cisco I foi es­co­lhido o Brasil, país onde as lutas de classes não cessam de afirmar-se. E o que se passa no Brasil, re­flecte-se em Por­tugal. Par­ti­cu­lar­mente na Agri­cul­tura, área que produz os bens ali­men­tares e a ex­por­tação se torna chave do êxito da eco­nomia. Chave do êxito e con­dição da fome.

No nosso país, muito pouco é co­nhe­cido a res­peito da tróica ou dos al­ça­pões ar­ma­di­lhados es­con­didos no pacto de agressão. Mas pode afirmar-se, sem sombra para dú­vidas, que a tróica pro­cura impor, através dos cons­tantes cortes, uma cada vez pior dis­tri­buição da renda pro­du­zida pelos tra­ba­lha­dores. A par do re­forço dos ca­nais de cen­tra­li­zação da ri­queza e da eter­ni­zação do mito da ca­ri­dade cristã das ins­ti­tui­ções. São armas que servem per­fei­ta­mente os ob­jec­tivos do ne­o­li­be­ra­lismo.

Assim, nestes la­bi­rintos ocultos das di­plo­ma­cias, as vi­a­gens de ne­gó­cios da Santa Sé têm, sempre, um grande in­te­resse. Contam ver­dades que vão muito para além da re­tó­rica das en­cí­clicas. Há mesmo um im­por­tante sector da co­mu­ni­cação so­cial ne­o­li­beral que mis­tura esta vi­sita papal, efec­ti­va­mente com ob­jec­tivos co­mer­ciais, a be­ne­fí­cios pre­ten­sa­mente hu­ma­ni­tá­rios. Seria, por exemplo, o caso da en­trada de di­visas através do tu­rismo ca­tó­lico, di­na­mi­zador da eco­nomia e in­cen­ti­vador de novos postos de tra­balho. «Com a ver­dade me en­ganas...».

Os ne­gó­cios que na re­a­li­dade estão sobre a mesa, ul­tra­passam de longe o bi­lião e 200 reais que o tu­rismo bra­si­leiro even­tu­al­mente lu­crará. Na sombra, en­tre­tanto, de­sen­volvem-se pro­cessos mul­ti­na­ci­o­nais al­ta­mente lu­cra­tivos que des­troem a co­o­pe­ração entre os es­tados e a pró­pria noção de Es­tado e da sua au­to­nomia so­be­rana. São ne­gó­cios as­tro­nó­micos de des­truição ma­ciça. En­volvem massas fi­nan­ceiras bru­tais, no­me­a­da­mente aquelas que o Va­ti­cano con­trola. O agro­ne­gócio diz res­peito às po­lí­ticas so­ciais e eco­nó­micas de com­bate à fome e à po­breza. Equi­libra-se entre a ga­nância dos ricos e os di­reitos do homem. Cul­tiva o mito de olhos postos no lucro.

A so­ci­e­dade bra­si­leira abriga toda a imensa es­cala das con­tra­di­ções. É terra dos mitos. Por isso, não es­panta que o novo Papa ( tão fran­cis­cano ele é!…) tenha es­co­lhido o Brasil

como ponto de par­tida da sua missão de Je­suíta e mentor das tróicas deste mundo. 

(con­tinua)




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