Extremismo do Governo espelhado no OE para 2014

Empurrar o povo para a miséria

«O pior para a vida dos tra­ba­lha­dores e das fa­mí­lias» desde o der­rube do fas­cismo e a ins­tau­ração do re­gime de­mo­crá­tico, assim de­fine o PCP o Or­ça­mento do Es­tado para 2014.

No bolo do ren­di­mento na­ci­onal a maior fatia vai para o ca­pital

À aus­te­ri­dade o Go­verno junta mais aus­te­ri­dade, in­ten­si­fica o roubo dos sa­lá­rios e pen­sões, reduz ou eli­mina pres­ta­ções so­ciais, apro­funda cortes na saúde e na edu­cação, pro­move o des­pe­di­mento de mi­lhares de fun­ci­o­ná­rios para en­grossar as fi­leiras cres­centes de de­sem­pre­gados, su­ma­riou na pas­sada se­mana o de­pu­tado co­mu­nista Paulo Sá, ao in­ter­pelar a de­pu­tada Ma­riana Mor­tágua (BE) que de­di­cara ao tema a de­cla­ração po­lí­tica da sua ban­cada.

Para o par­la­mentar co­mu­nista o Go­verno «corta em todo o lado», le­vando ao em­po­bre­ci­mento ge­ne­ra­li­zado dos por­tu­gueses, menos numa des­pesa do Es­tado, essa sim «in­to­cável» – os juros da dí­vida pú­blica pagos aos ban­queiros e à banca.

E lem­brou que em 2010, o ano dos PEC, vi­a­bi­li­zados pelo PSD, os juros pagos aos bancos to­ta­li­zaram 4800 mi­lhões de euros, sendo que em 2014 o seu valor atin­girá 7300 mi­lhões de euros. Ou seja, em apenas quatro anos, au­mentou mais de 50 por cento.

Para Paulo Sá a cons­ta­tação é óbvia: «temos um Go­verno a cortar na edu­cação, na saúde, nos sa­lá­rios, nas pen­sões, nas pres­ta­ções so­ciais, só não corta nos juros da dí­vida que en­trega à banca, aos ban­queiros e sob a forma de ou­tras be­nesses para o sis­tema fi­nan­ceiro».

O de­pu­tado co­mu­nista fez ainda notar que o con­tri­buto exi­gido ao sector ener­gé­tico – no que é um dado re­ve­lador quanto à na­tu­reza de classe da po­lí­tica deste Go­verno – re­pre­senta apenas 3,8% do con­junto das me­didas de aus­te­ri­dade, uns meros 150 mi­lhões de euros em quase quatro mil mi­lhões de euros.

Roubo atrás de roubo

«Com­pa­ginar rigor or­ça­mental com a ca­pa­ci­dade de sus­tentar os ainda frá­geis si­nais de cres­ci­mento eco­nó­mico dos úl­timos meses», foi o que disse, por sua vez, do OE, o de­pu­tado Luís Me­nezes (PSD), que re­petiu a frase ba­tida de que o Go­verno quer «re­cu­perar a so­be­rania fi­nan­ceira e tirar a troika do País».

Mi­guel Tiago, in­ter­pe­lando-o, co­meçou por lhe lem­brar que neste mo­mento a dis­tri­buição do ren­di­mento em Por­tugal é de 52% para o ca­pital (rendas, lu­cros e juros) e de apenas 48% (in­cluindo a Se­gu­rança So­cial) para o tra­balho.

Re­al­çado foi, por outra parte, o facto de a re­ceita fiscal pre­vista neste OE ser paga em 75% por aqueles que detêm apenas 40% da ri­queza na­ci­onal, sendo 25% paga por aqueles que detêm mais de 50% dessa ri­queza pro­du­zida em Por­tugal.

Para Mi­guel Tiago esta é «uma marca in­con­fun­dível da opção de classe que este Go­verno tomou jun­ta­mente com as ins­ti­tui­ções es­tran­geiras a que chama par­ceiros in­ter­na­ci­o­nais».

Tra­zido para o de­bate foi ainda o valor de 2300 mi­lhões de euros a que o Go­verno chama pou­pança mas que ver­da­dei­ra­mente cor­res­ponde a des­pe­di­mentos na função pú­blica, ao agra­va­mento do roubo sobre os sa­lá­rios (agora a partir de 600 euros), dos cortes das fun­ções so­ciais do Es­tado (saúde, edu­cação e roubo das pen­sões onde se in­cluem pen­sões de so­bre­vi­vência acima dos 410 euros).

Por isso Mi­guel Tiago con­cluiu não haver dú­vidas sobre quem vê re­cair sobre si os sa­cri­fí­cios e quem en­fren­tará as reais di­fi­cul­dades, face a um OE que não he­sitou em con­si­derar ser o «mais trá­gico da nossa de­mo­cracia», que «mais cas­tiga os tra­ba­lha­dores», «mais pes­soas em­purra para a mi­séria».

Re­for­mados so­frem

Sobre o Or­ça­mento do Es­tado para 2014 se pro­nun­ciou ainda Jorge Ma­chado, apro­vei­tando a de­cla­ração po­lí­tica de Pedro Mar­ques (PS), para cri­ticar a opção do Go­verno de «tirar a quem tra­balha e aos re­for­mados para en­tregar de mão bei­jada aos grandes grupos eco­nó­micos, à banca e às PPP».

A di­mi­nuição da taxa de IRC para os grandes grupos eco­nó­micos é um exemplo dessa es­pécie a que chamou de «Robin Wood tra­ves­tido em que o Go­verno em vez de roubar aos ricos para dar aos po­bres, rouba aos po­bres para dar aos ricos».

«Essa é cla­ra­mente a opção deste OE», acusou, la­men­tando que entre os prin­ci­pais vi­sados es­tejam os re­for­mados. São, enu­merou, os cortes nas re­formas a partir de 600 euros, cortes nas pen­sões de so­bre­vi­vência da CGA (não acima dos 2000 euros mas sim a partir dos 419 euros), au­mento da idade de re­forma, au­mento do custo de vida, con­tri­buição ex­tra­or­di­nária de so­li­da­ri­e­dade, enfim, «um con­junto vasto de me­dida que vai em­po­brecer de forma dra­má­tica um es­trato já muito vul­ne­rável da nossa so­ci­e­dade».

 

Afronta ao TC

Na sessão ple­nária onde se ouviu a pri­meira re­acção dos par­tidos ao OE para 2014, de­pois da de­pu­tada eco­lo­gista He­loísa Apo­lónia con­si­derar ser «mo­tivo de in­dig­nação» o facto de o Go­verno saber que está a propor me­didas con­trá­rias ao que diz a Cons­ti­tuição, An­tónio Fi­lipe, di­ri­gindo-se-lhe, sa­li­entou que um dos as­pectos que mais res­salta do de­bate po­lí­tico em torno deste OE tem a ver com «as pres­sões ab­so­lu­ta­mente des­pu­do­radas que têm vindo a ser lan­çadas pelo Go­verno e pela mai­oria contra o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal».

E con­si­derou que o Go­verno, rein­ci­dente na apro­vação de dis­po­si­ções em ma­téria or­ça­mental que são in­cons­ti­tu­ci­o­nais, e que in­cor­pora neste OE me­didas que estão ainda sob fis­ca­li­zação do TC, «tem cons­ci­ência de que este or­ça­mento tem igual­mente dis­po­si­ções que afrontam de forma até gros­seira dis­po­si­ções cons­ti­tu­ci­o­nais».

An­tónio Fi­lipe fez notar, por outro lado, que os prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais que têm sido vi­o­lados por estas dis­po­si­ções não são ori­gi­na­li­dades da Cons­ti­tuição por­tu­guesa. «O prin­cípio da igual­dade, o prin­cípio da pro­por­ci­o­na­li­dade, o prin­cípio da pro­tecção da con­fi­ança são prin­cí­pios ine­rentes a qual­quer Es­tado de di­reito de­mo­crá­tico», su­bli­nhou, acres­cen­tando que o pro­blema é que «o Go­verno não se con­forma com a exis­tência de quais­quer li­mites às suas ar­bi­tra­ri­e­dades».

Por ou­tras pa­la­vras, o Go­verno sabe que «dispõe de mai­oria na AR que per­mi­tirá aprovar o OE como en­tender mas não tem a ga­rantia de que o TC não exerça as suas com­pe­tên­cias», re­feriu An­tónio Fi­lipe, acre­di­tando ser esta a razão que ex­plica a «linha de chan­tagem e até de ameaça» sobre os juízes do Pa­lácio Ratton, como quem diz: «os se­nhores exigem o res­peito pelo Es­tado de­mo­crá­tico mas são os cul­pados por um se­gundo res­gate, por uma qual­quer des­graça». Ou seja, con­cluiu, «o Go­verno pro­cura fazer re­cair sobre o TC as con­sequên­cias do com­pleto fra­casso da sua po­lí­tica».

 

Re­con­fi­gurar o Es­tado

Paulo Sá, na sequência de uma também de­cla­ração po­lí­tica de João Al­meida (CDS-PP), aludiu ainda à meta do dé­fice pre­vista no OE – 4% –, ob­ser­vando que para atingir este ob­jec­tivo o Go­verno avança com um pa­cote de aus­te­ri­dade re­for­çado re­la­ti­va­mente ao pa­cote em vigor este ano.

Ora su­cede que de acordo com o or­ça­mento rec­ti­fi­ca­tivo o valor do dé­fice este ano será de 5,9%, apenas umas dé­cimas in­fe­ri­ores ao dé­fice do ano pas­sado, apesar de toda a aus­te­ri­dade im­posta aos por­tu­gueses.

Para o de­pu­tado do PCP, porém, o «dé­fice é apenas o pre­texto» que o PSD e o CDS-PP usam para con­cre­tizar essa velha as­pi­ração da po­lí­tica de di­reita que é a re­con­fi­gu­ração do Es­tado, des­truindo as suas fun­ções so­ciais, ata­cando os di­reitos la­bo­rais e so­ciais e es­po­li­ando os tra­ba­lha­dores e pen­si­o­nistas dos seus ren­di­mentos, «ao mesmo tempo que dá à banca e aos grandes grupos eco­nó­micos os mesmos be­ne­fí­cios e pri­vi­lé­gios».

Ou seja, o que pre­tendem é o «Es­tado mí­nimo para quem tra­balha e o Es­tado má­ximo para a banca e os grandes grupos eco­nó­micos».

 



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