Líbia: dois anos de caos e submissão

Os jogos do campeonato nacional líbio de futebol disputam-se à porta fechada, sem espectadores, por razões de segurança – revela a imprensa europeia.

A medida foi adoptada depois de graves distúrbios nos estádios, provocados por milicianos armados infiltrados entre os adeptos e que aterrorizam também jogadores, técnicos e dirigentes dos mais populares clubes desportivos.

O exemplo, caricato mas verdadeiro, é elucidativo da situação caótica que prevalece na Líbia dois anos depois da agressão militar da NATO que provocou milhares de vítimas, a destruição de infra-estruturas económicas e o derrube do regime de Muammar Kadhafi.

Mas a realidade actual é muito mais grave do que a promiscuidade entre futebol e kalashnikovs.

A Líbia, rica em petróleo, outrora um dos países africanos com maiores índices de desenvolvimento, está hoje à beira da desagregação.

Um governo central frágil e corrupto, colocado no poder pelos ocidentais, não consegue impor a autoridade estatal em todo o território nem evitar o crescente separatismo de regiões como a velha Cirenaica, no Leste, com centro em Benghazi, ou a Tripolitânia, a Oeste, em torno da capital, Trípoli.

O episódio mais recente de atomização do Estado líbio registou-se na vasta região de Fezzan, no Sudoeste, que os líderes tribais proclamaram «província federal autónoma», ao mesmo tempo que designavam um «presidente» e um chefe militar para «proteger as fronteiras».

Calcula-se que na Líbia haja agora cerca de 200 mil milicianos agrupados em 300 bandos de diferentes lealdades e fortemente equipados (alguns possuem não só armas ligeiras e pesadas mas também mísseis e carros blindados).

Muitos destes bandos dedicam-se a tráficos altamente lucrativos – de drogas, de armas ou de imigrantes magrebinos e subsaharianos desejosos de chegar à Europa, em aventuras com finais quase sempre dramáticos, como os recém-noticiados naufrágios ao largo da ilha italiana de Lampedusa…

Entre as milícias a operar em território líbio – parte delas criadas, financiadas e armadas inicialmente pelos serviços secretos norte-americanos, britânicos e franceses para participarem como peões na «cruzada democrática» contra Kadhafi – há grupos islâmicos radicais como o Ansar al Sharia, alegadamente responsável pelo assassinato, em Setembro de 2012, em Benghazi, do embaixador dos Estados Unidos, Chris Stevens.

Estes «jihadistas» utilizam o deserto líbio, a Sul, como rampa de lançamento para operações militares nos países da vizinhança – a Argélia, o Mali, o Níger –, transformando a Líbia num factor de insegurança e desestabilização no Magrebe e no Sahel.

Sequestros e torturas

Dois episódios ocorridos nas últimas semanas evidenciam melhor a situação caótica e de submissão da Líbia «libertada» pelos aviões e mísseis do Império norte-americano e seus aliados.

No dia 5 deste mês, elementos de um comando militar de elite estadounidense («Força Delta») capturaram e raptaram em plena Trípoli um cidadão líbio, Abu Anas al-Libi, acusado de pertencer à Al-Qaeda.

O presidente Barack Obama defendeu prontamente a operação, que terá sido levada a cabo com o conhecimento prévio do governo fantoche líbio, apesar dos ruidosos protestos diplomáticos posteriores. O Nobel da Paz e antigo professor de Direito Constitucional justificou o rapto num país estrangeiro «explicando» que o detido esteve envolvido nos atentados de 2000 contra as embaixadas dos Estados Unidos em Dar-es-Salam (Tanzânia) e Nairobi (Quénia).

O presumível «terrorista» esteve 10 dias a ser interrogado, sem a presença de qualquer advogado, num navio militar norte-americano no Mediterrâneo. Depois disso, devido ao seu estado de saúde – as torturas terão sido excessivas – foi transportado para Nova Iorque e presente a tribunal.

Dias depois, o primeiro-ministro líbio, Ali Zeidan, foi sequestrado por milicianos armados do seu quarto de hotel em Trípoli e mantido sob prisão durante algumas horas, como «castigo» pela sua alegada cumplicidade no rapto de al-Libi pelos «rambos» norte-americanos.

Mais tarde, o governante – colocado no poder na era pós-Kadhafi pelos Estados Unidos e britânicos, depois de ter vivido longos anos na Suíça e Alemanha – denunciou que tinha sido alvo de uma tentativa de golpe de Estado. A denúncia não teve quaisquer consequências.

Estes episódios na Líbia recolonizada e humilhada confirmam que o país africano está à beira de se transformar num «estado falhado». Tal como o Iraque e o Afeganistão, ou a Somália, também vítimas de agressões militares do imperialismo, o grande inimigo dos povos de todo mundo.




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