A vida não espera

Margarida Botelho

O re­la­tório da UNICEF di­vul­gado a se­mana pas­sada sobre o cum­pri­mento da Con­venção dos Di­reitos da Cri­ança acusa Por­tugal de vi­olar os di­reitos das cri­anças.

O do­cu­mento afirma que, com as me­didas to­madas no quadro da ac­tual po­lí­tica de aus­te­ri­dade, se as­siste a «re­tro­cessos que le­varam à ne­gação ou vi­o­lação dos di­reitos eco­nó­micos, so­ciais e cul­tu­rais das cri­anças e jo­vens». Al­guns dados re­fe­ridos: 28,6% das cri­anças por­tu­guesas es­tavam em 2011 em risco de po­breza; 500 mil cri­anças e ado­les­centes per­deram o di­reito ao abono de fa­mília entre 2009 e 2012; o nú­mero de casos que chegam às Co­mis­sões de Pro­tecção de Cri­anças e Jo­vens au­mentou 65% em 2012; 46 mil fa­mí­lias per­deram o di­reito ao ren­di­mento so­cial de in­serção, afec­tando em par­ti­cular as cri­anças de meios mais po­bres. Dados que co­locam o nosso País na cauda da lista da Eu­ropa a 27.

Os lei­tores do Avante! po­derão dizer que não há nada de novo neste re­la­tório. E de facto não há: o em­po­bre­ci­mento do povo por­tu­guês entra pelos olhos dentro e o PCP tem su­ces­si­va­mente de­nun­ciado, in­cluindo no Par­la­mento, o au­mento da po­breza in­fantil. O que é novo é haver uma or­ga­ni­zação da ONU que dê razão e vi­si­bi­li­dade à de­núncia que vimos fa­zendo.

Sa­bemos que o es­tudo foi feito antes dos efeitos de 2013 na vida das cri­anças e das suas fa­mí­lias e que o que está con­tido no Or­ça­mento do Es­tado para 2014 as afec­tará em par­ti­cular. Sa­lá­rios e pen­sões cor­tadas, de­sem­prego a con­ti­nuar a subir, cortes nos ser­viços pú­blicos com im­pactos di­fi­cil­mente pre­vi­sí­veis na vida hoje e na das fu­turas ge­ra­ções. Por muitos es­forços que as fa­mí­lias façam (e fazem!) para que às cri­anças não falte o es­sen­cial para cres­cerem sau­dá­veis e fe­lizes, por muito es­forço que os pro­fis­si­o­nais da saúde, da edu­cação, da se­gu­rança so­cial façam (e fazem!) para que a falta de meios ma­te­riais e hu­manos não as afecte no seu de­sen­vol­vi­mento in­te­gral, a ver­dade é que não há mi­la­gres.

Esta po­lí­tica pe­na­liza bru­tal­mente os mais frá­geis. Os im­pactos na saúde, na edu­cação, no de­sen­vol­vi­mento har­mo­nioso das cri­anças, vêem-se de forma dra­má­tica no quo­ti­diano e pro­jectam-se no fu­turo em muitos as­pectos que hoje não po­demos prever. É porque a vida não es­pera que esta po­lí­tica tem que ser der­ro­tada o mais ra­pi­da­mente pos­sível.




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