Comentário

De Cavaco Silva a Martin Schulz

Maurício Miguel

Lem­bram-se de Ca­vaco Silva quando já era e fingia não ser can­di­dato à Pre­si­dência da Re­pú­blica em 2010? Du­rante vá­rios meses o ac­tual Pre­si­dente da Re­pú­blica pa­vo­neou-se por todo o País como can­di­dato que dizia ainda não ser, uti­li­zando para a su­posta ab­ne­gada er­rância os meios fi­nan­ceiros e lo­gís­ticos do Es­tado ao seu dispor, ar­ras­tando atrás de si a co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante, que ali­men­tava o que ficou co­nhe­cido como o «tabu de Ca­vaco». O ac­tual «ga­rante» cons­ti­tu­ci­onal da con­ti­nui­dade do Go­verno der­ro­tado de Passos Co­elho/​Portas, que tanto mal e tanta dor estão a causar ao nosso povo e ao nosso País, chegou mesmo a afirmar que não co­lo­caria «out­doors», de­fen­dendo uma certa mo­de­ração nos custos da cam­panha elei­toral, mas aca­bando por ser o can­di­dato que mais di­nheiro gastou.

Apesar de ser Ca­vaco Silva o pro­ta­go­nista do pri­meiro pa­rá­grafo da cró­nica, não foi para nos re­fe­rirmos apenas a ele e a essa cam­panha elei­toral que o trou­xemos à co­lação. Que­remos chamar a atenção para par­ti­cu­la­ri­dades do seu ma­no­brismo, mas so­bre­tudo porque, como iremos cons­tatar, a ideia pode estar a as­sumir di­mensão eu­ro­peia. E neste sen­tido in­ter­roga-nos, in­quieta-nos mesmo o des­cuido do ac­tual mi­nistro da Eco­nomia em não pro­mover a pa­tente na­ci­onal da ge­ni­a­li­dade de Ca­vaco Silva. Nesta ma­téria fi­cará o ac­tual mi­nistro a dever ao an­te­rior, que num es­forço de pro­moção do que é na­ci­onal, até quis in­ter­na­ci­o­na­lizar o já in­ter­na­ci­o­na­li­zado pastel de nata. Este é um exemplo con­creto de que a ino­vação na­ci­onal existe mas não é de­vi­da­mente apro­vei­tada e va­lo­ri­zada por cá. Lá fora, na UE, aí sim, a ino­vação de Ca­vaco Silva foi de­vi­da­mente va­lo­ri­zada, acom­pa­nhada e re­pro­du­zida.

Veja-se como o ac­tual pre­si­dente do Par­la­mento Eu­ropeu (PE), o alemão Martin Schulz, membro do SPD (Par­tido So­cial-De­mo­crata da Ale­manha – membro do mesmo grupo do PS no PE) andou e anda a cal­cor­rear uma grande parte dos países da UE – não sa­bemos se todos – su­pos­ta­mente em con­fe­rên­cias, se­mi­ná­rios, vi­sitas e ou­tros afa­zeres da re­pre­sen­tação ins­ti­tu­ci­onal, con­tando com o be­ne­plá­cito da co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante, in­cluindo a por­tu­guesa, ma­no­brando as ex­pec­ta­tivas do ser ou não ser can­di­dato à pre­si­dência da Co­missão Eu­ro­peia (CE). O pu­ta­tivo tornou-se en­tre­tanto ofi­ci­al­mente can­di­dato do Par­tido So­ci­a­lista Eu­ropeu.

Martin Schulz e Ca­vaco Silva par­ti­lham mais do que um mesmo modus ope­randi, ambos têm as res­pon­sa­bi­li­dades po­lí­ticas que têm a so­cial-de­mo­cracia e a di­reita nas de­ci­sões que estão na origem da crise que se vive na UE. Martin Schulz é um dos pro­ta­go­nistas de uma gi­gan­tesca cam­panha me­diá­tica que visa conter o jus­ti­fi­cado des­con­ten­ta­mento, in­dig­nação e luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos contra a UE e as suas ori­en­ta­ções e po­lí­ticas, sal­va­guar­dando-a en­quanto ins­tru­mento eco­nó­mico e po­lí­tico do do­mínio das grandes po­tên­cias e do grande ca­pital. In­tegra-se nesta cam­panha a apre­sen­tação do PE e dos seus li­mites e con­tra­di­ções como ga­rante de­mo­crá­tico do pre­ci­pício ne­o­li­beral, fe­de­ra­lista e mi­li­ta­rista para onde ele e as forças do grande ca­pital querem em­purrar povos e países na UE. As de­ci­sões to­madas pela mai­oria do PE, em que Martin Schulz e as forças da so­cial-de­mo­cracia têm papel des­ta­cado (em con­luio com a di­reita), de­mons­tram o seu apoio às de­ci­sões es­tru­tu­rais da UE que afectam a vida de todos nós. Estas forças pro­curam mis­ti­ficar e al­terar o sig­ni­fi­cado das elei­ções de Maio do pró­ximo ano (eleger de­pu­tados de cada país ao PE), pro­cu­rando afu­nilar o de­bate e o voto dos povos nos par­tidos com can­di­datos à pre­si­dência da CE,(1) da ine­vi­ta­bi­li­dade de mais UE, pro­cu­rando mar­gi­na­lizar par­tidos que, como o PCP, de­fendem a ne­ces­sária rup­tura com a UE en­quanto opção de­ter­mi­nante para as­se­gurar um fu­turo so­be­rano e o di­reito ao de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial do nosso povo e do nosso País. Com a apre­sen­tação desta can­di­da­tura – a quem An­tónio José Se­guro e o PS por­tu­guês já ma­ni­fes­taram o seu apoio – não é acres­cen­tado ne­nhum ele­mento de cla­ri­fi­cação do que sig­ni­ficam as elei­ções para o PE, do que é ou pode ser o papel do Pre­si­dente da CE, do ca­rácter an­ti­de­mo­crá­tico dos li­mites e con­di­ci­o­nantes do pro­cesso. Esta can­di­da­tura gera ele­mentos de ilusão e de chan­tagem dos povos, pro­cu­rando di­luir a opção po­lí­tica do povo de cada país, de acordo com a sua si­tu­ação es­pe­cí­fica, num su­posto in­te­resse eu­ropeu (como no caso do me­mo­rando das troikas – pacto de agressão), ao qual se devem sub­meter as op­ções so­be­ranas das ins­ti­tui­ções de cada país, dos seus tra­ba­lha­dores e dos povos.

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(1) O facto de exis­tirem can­di­datos à pre­si­dência da Co­missão Eu­ro­peia, in­di­cados pelos par­tidos eu­ro­peus, e que um deles venha a reunir a mai­oria dos votos dos de­pu­tados eleitos ao PE não é vin­cu­la­tivo para a es­colha final que será feita pelo Con­selho Eu­ropeu, de­vendo para tal ter em conta o re­sul­tado das elei­ções.



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