Comentário

O orçamento, a PAC e a Constituição

João Ferreira

1. Em três dias, o Parlamento Europeu votou dossiês cruciais para os próximos sete anos.

Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020. O orçamento da União Europeia para os próximos sete anos será, pela primeira vez, reduzido em termos nominais face ao anterior período (2007-2013). Cai por terra a demagogia e a propaganda em torno da apregoada «solidariedade europeia». A natureza capitalista da integração, já se sabia, é geradora de divergência. As políticas comuns, o mercado único, o euro, já se sabia, acentuam as desigualdades entre países. E o instrumento que poderia, pelo menos em parte, mitigar essa divergência e essa desigualdade, assegurando uma função redistributiva, é reduzido à indigência – a menos de um por cento do Rendimento Nacional Bruto do conjunto dos países da UE (sendo a parte destinada à coesão não superior a um terço do montante global). O resultado inevitável: maior divergência.

Portugal receberá da UE, nos próximos sete anos, um envelope financeiro que não excederá os 27,8 mil milhões de euros. Montante que, a manter-se a tendência da última década, será superado pelo dinheiro que sairá do País para a UE, sob a forma de juros, lucros e dividendos. No cálculo estreito do deve e do haver da nossa relação com a UE é uma evidência (que não é de hoje) que pagamos mais do que aquilo que recebemos.

Para registo: sem surpresas, PS, PSD e CDS votaram favoravelmente este Quadro Financeiro Plurianual.

Reforma da Política Agrícola Comum. Acentua-se o que de pior tinha a anterior PAC. Prossegue a desregulação e a liberalização da produção e dos mercados, que tornará mais difícil a concretização da elementar aspiração de qualquer agricultor: preços justos à produção que compensem o seu trabalho. Mantêm-se escandalosas desigualdades na distribuição dos pagamentos por país. Numa PAC voltada para o «mercado» e para a «competitividade», a uns pede-se que sejam tão competitivos como outros que receberão pagamentos por hectare três ou quatro vezes superiores. Portugal continuará a receber abaixo da média europeia.

Para registo: sem surpresas, PS, PSD e CDS votaram favoravelmente esta reforma da PAC.

Em defesa da Constituição

2. A proposta de Orçamento de Estado para 2014, o chamado «guião para a reforma do Estado», as abjectas e ignominiosas pressões internas e externas sobre o Tribunal Constitucional representam indiscutivelmente uma escalada no confronto com a Constituição da República.

Neste contexto, a defesa da Constituição e do projecto nela consagrado é algo que pode e deve mobilizar todos os democratas e patriotas. Pode constituir um patamar de convergência de todos aqueles que estão genuinamente empenhados em travar o rumo de destruição, de empobrecimento e de injustiça para o qual o País foi arrastado. Pode simbolizar um ponto de acumulação de forças para outros embates que inevitavelmente sobressairão da afirmação da alternativa patriótica e de esquerda que contrapomos a este governo e a esta política.

Mas a formação e o fortalecimento deste patamar de convergência exige clareza quanto à afirmação dos princípios e valores consagrados na Constituição. Exige, desde logo, que se lembre que a nossa Constituição ainda:

Defende a solução pacífica dos conflitos e a não ingerência nos assuntos internos de outros estados, a abolição do imperialismo, o desarmamento geral e a dissolução dos blocos político-militares;

Perfilha e acolhe a Declaração Universal dos Direitos do Homem (numa leitura ampla e abrangente da mesma e não restritiva e instrumental);

Prevê a subordinação do poder económico ao poder político democrático;

Prevê o direito ao trabalho, garante segurança no emprego, amplos direitos laborais e sindicais, o direito à greve e à contratação colectiva, entre outros;

Garante o direito à educação e à cultura, que o Estado tem o dever de democratizar;

Defende que o investimento estrangeiro deverá ser disciplinado e condicionado à «contribuição para o desenvolvimento do país», à «defesa dos interesses dos trabalhadores» e «da independência nacional»;

Estabelece como objectivos de política agrícola e industrial o aumento da produção;

Prevê (após muita insistência do PCP e resistência de PS e PSD) a possibilidade de referendar a vinculação do País aos tratados europeus.

São alguns princípios, entre muitos outros, que será oportuno relembrar, a propósito de iniciativas, sessões e declarações recentes, com protagonistas diversos, envolvendo a Constituição da República.



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