Um gigante com pés de barro
Há um ano, a União Europeia (UE) ganhava o Prémio Nobel da Paz. Na entrega do galardão, o Comité Nobel justificava-se afirmando que a maior conquista da UE era a sua «luta bem-sucedida pela paz, pela reconciliação, pela democracia e pelos direitos humanos», transformando a Europa «de um continente de guerra num continente de paz». O imperialismo socorria-se da pouca credibilidade do prémio Nobel da Paz para tentar dar uma áurea imaculada à UE e reabilitá-la para servir o papel de polícia bom que os senhores da UE agora lhe querem atribuir.
O processo do Nobel da Paz da UE, como antes havia sido o de Barack Obama, evidenciou como se tenta fazer crer que uma arma de guerra pode ser afinal um actor de paz. O imperialismo sabe que não nos podendo convencer a todos, poderia convencer alguns. E além disso não haverá nada melhor para fazer a guerra do que vestir-lhe um fato de paz.
O momento é propício. O aprofundamento da crise na UE expõe as suas fraquezas e dependências: a perda de competitividade mundial, a dependência energética e de matérias-primas fundamentais para os processos produtivos. A necessidade da abertura de novos mercados e de domínio geoestratégico de vias comerciais e zonas de influência é determinante para travar o declínio económico da UE. A emergência de novas potências económicas no plano mundial, nomeadamente dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), exige uma estratégia de concertação no quadro da NATO, sem que no entanto sejam totalmente dirimidas as contradições entre as potências imperialistas que a compõem.
O Tratado de Lisboa define um leque de possibilidades e de instrumentos para a acção externa da UE que até agora não tinha sido ainda inteiramente explorado. A Cimeira da NATO que se realizou em Lisboa em 2010 reviu o seu conceito estratégico e, entre outras coisas, exigiu que, além dos EUA, os outros membros deveriam também aumentar o financiamento e os meios operacionais desta organização.
Apesar do silêncio sepulcral mediático ou de alguma desvalorização das decisões tomadas pelo Conselho Europeu, é impossível esconder os perigos que decorrem das decisões sobre o dito reforço da Política Comum de Segurança e Defesa da UE (PCSD) e do aprofundamento da militarização da UE. É impossível esconder que a UE é cada vez mais o pilar europeu da NATO e que as decisões agora tomadas decorrem da concertação estratégica com os EUA no quadro da NATO, que definiram como sua prioridade a presença na região da Ásia-Pacífico.
Os senhores da UE querem fazer das suas fraquezas força, quando criticam as reduções dos orçamentos nacionais de defesa, ao mesmo tempo que relançam a corrida aos armamentos na UE e no mundo. O que o Conselho Europeu decidiu foi estabelecer um roteiro para muscular mais a militarização da UE, acentuando o seu papel como bloco imperialista, como potência com ambições hegemónicas no plano regional e mundial. Articulada com um conjunto de instrumentos financeiros para a acção externa, acentua-se o seu carácter repressivo e de ingerência externa, visando aumentar e acentuar a subordinação das políticas externas e dos orçamentos nacionais de defesa às prioridades da UE e da NATO – retirando soberania e adulterando o papel das forças armadas na defesa dos interesses de cada país. Subordina-se ainda mais a investigação científica às tecnologias militares e às chamadas tecnologias de duplo uso, atribuindo neste âmbito um papel central à Agência Europeia de Defesa enquanto precursor do processo de gastos e fabricação de armamentos. E dá passos para a definição da chamada «cláusula de solidariedade» – introduzida pelo tratado de Lisboa – que, à semelhança da NATO, prevê que em caso de ataque armado a um dos seus membros, se desencadeie a «defesa individual ou colectiva» de um ou mais países da UE – o que demonstra que a sua acção não é apenas virada para o exterior mas que está atenta e pronta a agir para reprimir movimentações sociais e políticas que possam colocar em causa o domínio dos monopólios e das grandes potências no seu crescente poder colonial no seio da UE. Avança com a liberalização do mercado da defesa na UE, que conduzirá a um processo de fusões e aquisições no complexo industrial-militar, colocando inevitavelmente pressão para um aumento dos gastos militares dentro e fora da UE.