54 anos depois, «fugiu-se» novamente de Peniche

Uma fuga que dava<br> (e deu) um filme

Na sexta-feira, às sete horas da tarde – ou seja, exac­ta­mente 54 anos de­pois – re­criou-se aquela que foi uma das mais es­pec­ta­cu­lares e im­por­tantes eva­sões das pri­sões fas­cistas: a fuga de Pe­niche de 3 de Ja­neiro de 1960. 

A fuga de Ja­neiro de 1960 foi um dos mo­mentos-chave da re­sis­tência

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Era já noite quando os 11 ele­mentos da As­so­ci­ação Es­pe­le­o­ló­gica de Óbidos – re­pre­sen­tando os dez mi­li­tantes co­mu­nistas e o guarda da GNR – des­ceram, através de um lençol, a mu­ralha da for­ta­leza da Pe­niche. Fi­zeram-no de­vagar e com­pas­sa­da­mente, mas de forma de­ci­dida, como o terão feito os pro­ta­go­nistas dessa co­ra­josa fuga, e nem se es­que­ceram de re­pre­sentar a queda de um deles (em 1960, foi Gui­lherme da Costa Car­valho) uns bons me­tros acima do solo. No caso da pas­sada sexta-feira es­tava tudo pre­visto e a lesão foi apenas en­ce­nada.

Nesse já dis­tante Ja­neiro de 1960, uma vez che­gados a terra firme, os co­ra­josos re­vo­lu­ci­o­ná­rios ti­veram ainda que saltar a úl­tima mu­ralha, di­vidir-se pelos carros que os es­pe­ravam e ar­rancar em di­recção aos lo­cais pre­vi­a­mente pre­pa­rados para os re­ceber. Não sem antes «re­cu­pe­rarem» o guarda Jorge Alves que, de­so­ri­en­tado, co­meçou a rumar ao centro da vila, como que que­rendo de­sistir (as­pecto pre­sente na pró­pria en­ce­nação). No pas­sado dia 3 fez-se tudo isto, ex­cepto a vi­agem a Lisboa. E neste caso, a es­perar os fu­gi­tivos, es­tavam não só os con­du­tores mas também um ba­ta­lhão... de re­pór­teres fo­to­grá­ficos, pro­fis­si­o­nais e ama­dores, que não qui­seram deixar de re­gistar este mo­mento ímpar para a pre­ser­vação da me­mória his­tó­rica da di­ta­dura e da re­sis­tência.

Ao con­trário da outra – a ver­da­deira – a que apenas uns poucos as­sis­tiram (des­vi­ando em se­guida os olhares cúm­plices), desta vez a fuga foi se­guida pelas mais de mil pes­soas que se en­con­travam na tenda ins­ta­lada junto às mu­ra­lhas do Forte, através dos ecrãs que a trans­mi­tiram em di­recto, ou ao vivo, como su­cedeu a todos os que não con­se­guiram lugar no in­te­rior. Na pas­sada sexta-feira, a fuga de há 54 anos foi ce­le­brada com fogo de ar­ti­fício, numa atra­sada mas jus­tís­sima ho­me­nagem aos he­róicos pro­ta­go­nistas da­quele que foi um dos mo­mentos-chave da re­sis­tência an­ti­fas­cista em Por­tugal.

Te­atro e «ci­nema»

Não foi só a des­cida das mu­ra­lhas que foi re­criada no pas­sado dia 3. No in­te­rior da tenda, os mo­mentos an­te­ri­ores foram dra­ma­ti­zados por um grupo de jo­vens ac­tores, di­ri­gidos pela ac­triz Fer­nanda Lapa, que mos­traram os úl­timos ins­tantes do jantar dos dez presos que, mo­mentos de­pois, le­va­riam por di­ante a fuga; o do­mínio do guarda, ador­me­cido com clo­ro­fórmio com todos os cui­dados para que não su­fo­casse; e a saída pelos cor­re­dores da prisão, au­xi­li­ados pelo guarda Jorge Alves.

Através dos ecrãs foi pos­sível ver tanto o que se passou antes – o sinal dado pelo au­to­móvel com o porta-ba­ga­gens aberto (con­du­zido à época pelo actor Ro­gério Paulo) – como os mo­mentos que se su­ce­deram até à fuga pro­pri­a­mente dita, no­me­a­da­mente a tra­vessia pela mu­ralha a co­berto do ca­pote do guarda. Se há mo­mentos da luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês contra o fas­cismo que dava um filme, a fuga de Pe­niche é in­du­bi­ta­vel­mente uma delas. E na pas­sada sexta-feira esse filme foi exi­bido e visto com emoção.

Fora deste «filme» fi­caram ou­tros mo­mentos não menos de­ci­sivos para o êxito da fuga. Os dias, se­manas e meses an­te­ri­ores à sua re­a­li­zação. O es­tudo das hi­pó­teses exis­tentes; o con­ven­ci­mento do guarda Jorge Alves, tanto pelos presos como pelos co­mu­nistas no ex­te­rior; a co­mu­ni­cação entre a or­ga­ni­zação na prisão e a di­recção do Par­tido; a com­bi­nação dos por­me­nores; a en­trada do clo­ro­fórmio para ador­mecer o guarda, etc.

Até à vi­tória

Para além do filme, a re­cri­ação da fuga da ca­deia do Forte de Pe­niche contou ainda com um mo­mento de po­esia e com as in­ter­ven­ções do pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal, An­tónio José Cor­reia, e de Al­bano Nunes, do Se­cre­ta­riado do Co­mité Cen­tral do PCP.

O di­ri­gente do PCP, cha­mando a atenção para as con­sequên­cias po­si­tivas da fuga na in­ten­si­fi­cação da luta po­pular contra o fas­cismo – que cul­minou no 25 de Abril –, sa­li­entou que ela mostra também que não há obs­tá­culos, por mais po­de­rosos que pa­reçam e sejam, que a or­ga­ni­zação, in­ter­venção e luta do Par­tido não possam der­rubar. Foi assim com os muros e as grades da for­ta­leza de Pe­niche, foi assim com a di­ta­dura fas­cista, será assim até que seja cons­truída a so­ci­e­dade sem ex­plo­ra­dores nem ex­plo­rados que é o ob­jec­tivo su­premo do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês e a razão da sua exis­tência.

Du­rante o te­atro, a ac­triz Maria João Luís de­clamou o poema «A Hora das Gai­votas» de João Monge, que pu­bli­camos na ín­tegra nestas pá­ginas. 




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<i>Nada poderá deter-nos, nada<br> poderá vencer-nos!</i>

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As pa­la­vras do poeta Jo­a­quim Na­mo­rado, que dão o tí­tulo a esta peça, adap­tadas pelo ma­estro Fer­nando Lopes-Graça para umas das suas «Can­ções He­róicas», re­sumem como ne­nhumas ou­tras o que se evocou nos pas­sados dias 3 e 4 em Pe­niche: a co­ragem e a de­ter­mi­nação em pros­se­guir a luta re­vo­lu­ci­o­nária quais­quer que sejam as con­di­ções, os obs­tá­culos e os pe­rigos. Foi pre­ci­sa­mente isso que fi­zeram os dez di­ri­gentes e qua­dros do PCP que, a 3 de Ja­neiro de 1960, pro­ta­go­ni­zaram uma das mais es­pec­ta­cu­lares e im­por­tantes fugas das pri­sões fas­cistas por­tu­guesas. Fu­giram, sim, para a pri­meira linha do com­bate pelo der­rube do fas­cismo, pela de­mo­cracia e pela li­ber­dade; fi­zeram-no quando tudo pa­recia per­dido. E no en­tanto, Abril acon­teceu. Porque eles fu­giram. Porque eles, e muitos ou­tros, lu­taram, per­sis­tiram e re­sis­tiram.

Os tempos mu­daram, é certo, mas também hoje (e como um dia es­creveu Ber­told Brecht) os «ti­ranos fazem planos para dez mil anos» e re­petem à exaustão que assim é e sempre assim será, que não há al­ter­na­tiva à ex­plo­ração, ao de­sem­prego, ao em­po­bre­ci­mento, à emi­gração. E uma vez mais os co­mu­nistas estão na van­guarda da luta po­pular, or­ga­ni­zando, es­ti­mu­lando e mo­bi­li­zando para que os va­lores de Abril es­tejam pre­sentes no fu­turo de Por­tugal.

Nas pá­ginas se­guintes dá-se conta do que se passou em Pe­niche no pas­sado fim-de-se­mana: a inau­gu­ração de uma ex­po­sição, da res­pon­sa­bi­li­dade do mu­ni­cípio e da URAP, que fi­cará pa­tente no Forte du­rante um ano; a re­cri­ação da fuga que teve lugar pre­ci­sa­mente 54 anos antes; e o grande co­mício do PCP que en­cerrou a ce­le­bração do cen­te­nário do nas­ci­mento de Álvaro Cu­nhal e abriu as co­me­mo­ra­ções dos 40 anos da Re­vo­lução de Abril.

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