O caso dos milhões escondidos
Até não há muito tempo, seria difícil encontrar muitos telespectadores vivamente interessados em ouvir os comentários de Manuela Ferreira Leite e de José Pacheco Pereira acerca da vida política nacional. De Manuela Ferreira Leite, a generalidade das gentes manteria talvez a imagem de uma ex-ministra, sucessivamente titular das pastas da Educação e das Finanças, azeda de feitio e de palavras, que um dia preconizara a suspensão da democracia por uns tempos (talvez com uma ironia desastradamente expressa), noutro dia dissera da sua vontade de mandar prender uns sindicalistas que a contrariavam, e ainda noutro dia fechara com um banco norte-americano um negócio que acabou por não correr bem. Constava também, com provável fundamento, que era próxima do professor Cavaco Silva pelos convencimentos ideológicos e por amizade pessoal, o que não constituiria motivo bastante para se acorrer a ouvir os seus eventuais comentários. Quanto a Pacheco Pereira, sabia-se dos seus antecedentes ditos «marxistas-leninistas» nos bons velhos tempos em que Durão Barroso também o era (mas noutro partido), da sua enorme biblioteca a que por várias vezes aludiu, do labor anti-PCP. Enfim, nem um nem outro davam motivo a que os cidadãos telespectadores acorressem para diante dos seus televisores na avidez de os ouvirem. De resto, a frequência das suas presenças nos ecrãs não era igual para ambos: ao passo que Pacheco Pereira era um já antigo participante na «Quadratura do Círculo» da SIC Notícias, onde de facto surgia como «voz do PSD», Manuela Ferreira Leite só esporadicamente aparecia em qualquer dos canais, talvez até porque as estações entenderiam, e bem, que a sua imagem não compensava em telegenia o esperável escasso interesse das suas opiniões.
O pior de tudo
Era, pois, assim. Mas já não é. Tanto quanto posso avaliar pelo pouco que vou sabendo, que não é tão pouco quanto isso, os minutos em que Manuela Ferreira Leite e José Pacheco Pereira estão perante as câmaras a dar-nos conta das suas opiniões e até das informações de que eventualmente dispõem são quase como verdadeiros picos de audiência relativamente às condições em que surgem: em canais pagos e especialmente dedicados à função informativa, no contexto de uma teleplateia cujas preferências vão esmagadoramente para as novelas e para os programas de implícita vocação «porno» apresentados pela dona Teresa Guilherme. O motivo desse surto de audiências não é de modo nenhum misterioso: trata-se de um efeito produzido pela gestão do Governo Passos Coelho, tão afastada de regras fundamentais de legitimidade moral, tão agressivas do povo português, tão ruinosas para o País, que mesmo dois militantes PSD como Manuela e José não querem furtar-se ao dever ético de o denunciarem e se lhe oporem. E foi neste quadro que Manuela Ferreira Leite, economista e ex-ministra PSD das finanças, próxima do PR pela formação e por estima pessoal, fez uma revelação surpreendente: ao analisar o Orçamento à sombra do qual o Governo visa perpetrar novos crimes contra a sobrevivência financeira de milhares de reformados, Manuela descobriu um discreto «fundo de maneio» de 533 milhões de euros não vinculados a qualquer despesa prevista, como sobras escondidas. E mais disse Manuela: que em orçamentos de anos anteriores também se incluíram, sim, «fundos de maneio» para prevenção de eventuais surpresas, mas nunca sequer próximos de valores tamanhos. Mais e pior: que a redução deste «fundo» para um montante mais razoável teria sido suficiente para se evitarem cortes bárbaros que o Governo se propõe fazer e ainda sobrariam muitos milhões para a função habitual de cobertura de imprevistas surpresas desagradáveis. Ao dizer isto, a indignação de Manuela Ferreira Leite era manifesta. Ao ouvirem isto, adivinha-se que a indignação de muitos milhares de portugueses já espoliados por sucessivos assaltos terá sido ainda muito maior. É claro que as palavras da antiga ministra do PM Cavaco Silva constituem uma tácita acusação a que o Governo teria a obrigação de responder. É claro que não haverá resposta. E o pior de tudo é que o senhor PR vai ficar como se não se importasse com nada disto.