Escravos engravatados? Não! Cravos!

Manuel Gouveia

Chama-se Pas­si­nhas Pól­vora e foi des­pe­dido da Carris por não poder usar gra­vata. Foi há mais de dois anos. O Par­tido levou o caso à As­sem­bleia da Re­pú­blica, o Sin­di­cato atra­vessou Lisboa em pro­testo car­re­gando com uma gra­vata de vinte me­tros, o mi­nistro até foi sim­pá­tico com a causa na reu­nião da praxe, mas disse que não podia fazer nada, que o far­da­mento é coisa im­por­tante, e o Go­verno só manda nas em­presas quando se trata de roubar sa­lá­rios e pagar a agi­otas, mas que ia apurar e saber, que fi­cassem des­can­sados. Nin­guém ficou des­can­sado – nem can­sado – e quando o mi­nistro soube o que já sabia, e apurou o que antes or­de­nara, o des­pe­di­mento con­sumou-se.

(Como já aqui de­nun­ciámos, com este Go­verno, como com os an­te­ri­ores, nas em­presas pú­blicas pode-se ser des­pe­dido por não usar gra­vata e re­com­pen­sado por perder mil mi­lhões de euros em apostas es­pe­cu­la­tivas – veja-se o caso de Pedro Bogas, an­tigo as­sessor de Sérgio Mon­teiro, que con­tinua como Ad­mi­nis­trador do Metro apesar de ter per­ten­cido à Ad­mi­nis­tração que afundou esse mesmo Metro em swaps).

Com o seu sin­di­cato, a luta con­ti­nuou nos tri­bu­nais, ter­reno cada vez mais duro e di­fícil, onde hoje já se perde muito do que se de­veria ga­nhar, mas onde ainda há que com­bater, para de­sa­grado de tantos, como re­cen­te­mente deixou claro a ca­vacal múmia. A vi­tória na pri­meira ins­tância deu ânimo, mas a em­presa re­correu, re­correm sempre, o tempo é a sua maior arma contra o pro­le­tário, e no caso das em­presas pú­blicas os custos nem são um pro­blema para quem as tomou de as­salto. Quando a em­presa ga­nhou o re­curso no caso do Gomes, numa ine­nar­rável de­cisão da Re­lação, os medos ainda cres­ceram mais, mesmo sem aba­larem a con­fi­ança de quem luta pelo que é justo. Mas desta vez a em­presa perdeu na Re­lação.

E apesar de toda a po­dridão e de toda a cor­rupção, apesar do Es­tado cada vez mais se re­velar como a di­ta­dura dos ex­plo­ra­dores, apesar de não ser pos­sível re­cu­perar tudo o que se perde em mais de dois anos des­pe­dido, apesar de tudo, vale sempre a pena lutar, e desta vez, até ga­nhámos. E o Pas­si­nhas Pól­vora vai re­gressar à Carris. Hurrah!




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