Faz de conta

Anabela Fino

Uma semana depois de ter classificado Portugal como o «herói surpresa da retoma da zona euro» – conclusão a que chegou aparentemente a partir de uma reportagem feita no aeroporto de Lisboa entre os terminais de carga por onde saem as exportações e as zonas de embarque de passageiros que escoam os portugueses forçados a emigrar – eis que o Financial Times deixa cair o alegado sucesso da «nova vedeta do crescimento na Zona Euro», designação dada por Christian Schulz – economista sénior do Berenberg – ao nosso País e repescada pelo jornal britânico, e agita agora o espectro dos novos cavaleiros do Apocalipse que pelos vistos nos espreitam.

Não se pense que o Financial Times está preocupado com a possibilidade de Portugal ser (ou estar a ser) assolado pela peste, pela guerra, pela fome e pela morte. Nada disso. Os velhos cavaleiros do Apocalipse parecem hoje brincadeira de criança quando comparados com os cinco riscos apontados pelo FMI de forma tão convincente que o jornal não hesitou em mostrar como é que se pode passar de bestial a besta em apenas oito dias.

A inusitada atenção do FT à situação portuguesa – dois artigos em tão curto espaço de tempo – não é fruto do acaso. Antecedendo mais uma avaliação da troika, tanto o FMI como a Comissão Europeia divulgaram relatórios muito curiosos: está tudo a correr muito bem excepto o que está a correr muito mal – o que parece ser quase tudo devido à insustentabilidade das medidas em curso –, pelo que importa carregar na receita, ao que parece na expectativa de que o que não resultou à primeira, nem à segunda, nem à terceira venha eventualmente a resultar um dias destes, quanto mais não seja por falecimento do doente.

Os cinco novos cavaleiros do Apocalipse que nos ameaçam são então o elevado nível dos salários; falta de competitividade para garantir sustentabilidade ao crescimento das exportações; reformas estruturais por fazer; falta de crédito às empresas; e... o Tribunal Constitucional.

Trocando por miúdos, o que o «herói surpresa» precisa para continuar a sua fulgurante marcha para o sucesso é de cortar os salários entre dois a cinco por cento e de tornar definitivos os cortes e medidas ditos provisórios que já ditaram o empobrecimento e a degradação das condições de vida de milhões de portugueses. Mas acima de tudo, o que Portugal precisa para o sucesso definitivo é de pôr fim a essa excrescência que é o Tribunal Constitucional, que é como quem diz à própria Constituição da República, pois a cartilha dos mercados que as troikas representam nem nas letras miudinhas contemplam quaisquer direitos dos trabalhadores e dos povos. Se alguém ainda não tinha percebido onde é que o líder parlamentar do PSD Luís Montenegro foi buscar a peregrina ideia de que «a vida das pessoas não está melhor, mas o País está», eis aqui a resposta. A estes novos cavaleiros e respectivas cavalgaduras só faltava mesmo o prestimoso serviço do desaparecido Relvas, por isso Passos foi buscá-lo ao Brasil, via email, para a direcção do PSD. Está completo o país de faz de conta. Falta o resto.




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