As teias de Macedo

Rui Fernandes

A acção go­ver­na­tiva na área da Ad­mi­nis­tração In­terna está en­re­dada numa teia de con­flitos, de que a re­cente de­missão do 2.º Co­man­dante da GNR cons­titui um exemplo, de­pois da apre­sen­tação, há uns meses, da de­missão do Di­rector Na­ci­onal da PSP pelas ra­zões co­nhe­cidas.

Há um ano que o mi­nistro Ma­cedo disse que es­tava em curso o pro­cesso de cons­trução de novos Es­ta­tutos, novas Leis Or­gâ­nicas, etc. O re­sul­tado é um monte de con­flitos dentro das forças sob sua al­çada e entre estas e as ou­tras de­pen­dentes de ou­tros mi­nis­té­rios.

Há uns meses, poucos, afirmou a con­dição es­pe­cial da função po­li­cial para a PSP, mas a ex­pressão prá­tica dessa afir­mação foi o au­mento dos des­contos para as SAD e cortes nas re­formas e apo­sen­ta­ções. Mas mais: no Re­la­tório Anual de Se­gu­rança In­terna (RASI), no ca­pí­tulo V res­pei­tante a Ori­en­ta­ções Es­tra­té­gicas para 2014 no ponto viii sobre va­lo­ri­zação e dig­ni­fi­cação da função po­li­cial é afir­mado o se­guinte: «(…) na lei geral de tra­balho em fun­ções pú­blicas con­cre­tizou-se um novo edi­fício ju­rí­dico no que con­cerne aos di­reitos e de­veres dos ele­mentos po­li­ciais das forças de se­gu­rança…». Afinal, em que fi­camos? A lei geral de tra­balho em fun­ções pú­blicas aplica-se ou não se aplica aos po­lí­cias? Se era ob­jec­tivo ex­cluí-los por que contém o RASI tal afir­mação? E ex­clui todos os que têm fun­ções po­li­ciais ou só al­guns? O mesmo RASI que re­fere os nú­meros dos efec­tivos que en­traram para as forças, mas nada diz sobre o nú­mero dos que saíram.

Pen­sará o mi­nistro Ma­cedo que assim con­segue iludir a re­a­li­dade? A re­a­li­dade da falta de efec­tivos e a re­a­li­dade do en­ve­lhe­ci­mento desses mesmos efec­tivos? Pen­sará o mi­nistro Ma­cedo que «ven­dendo» para a co­mu­ni­cação so­cial aquilo que lhe in­te­ressa, de­sa­pa­rece tudo o resto, in­cluindo as cons­ci­entes omis­sões?

Mas para além deste no­velo cres­cente, com par­ti­cular ex­pressão nas su­pe­res­tru­turas das res­pec­tivas or­ga­ni­za­ções, há tudo o que tem im­pacto na vida con­creta dos pro­fis­si­o­nais – a de­gra­dação das suas con­di­ções de vida, a frus­tração por le­gí­timas ex­pec­ta­tivas de car­reira, a de­gra­dação das con­di­ções para o exer­cício pro­fis­si­onal, o des­res­peito pelo que está con­sa­grado na re­lação com as es­tru­turas sócio-pro­fis­si­o­nais res­pec­tivas, o au­mento da carga ho­rária e a au­sência de ho­rário de tra­balho para a GNR, o uso in­ti­mi­da­tório de pro­cessos dis­ci­pli­nares. Tudo num quadro cres­cen­te­mente mar­cado por mai­ores exi­gên­cias aos pro­fis­si­o­nais.

As duas úl­timas ma­ni­fes­ta­ções pro­ta­go­ni­zadas pelos mem­bros das forças e ser­viços de se­gu­rança não deixam mar­gens para dú­vidas quanto ao ge­ne­ra­li­zado grau de mal-estar exis­tente. Mais, seria um erro al­guém pensar que nessas ac­ções só es­ti­veram pre­sentes os postos mais baixos. Não! Nessas ac­ções es­ti­veram também postos su­pe­ri­ores das di­versas or­ga­ni­za­ções, no­me­a­da­mente da PSP e da GNR.

Aqui che­gados, im­porta des­mis­ti­ficar a ideia de que o MAI não faz nada. Desde logo, ele é parte do Go­verno e subs­critor desta po­lí­tica que ataca di­reitos, gera em­po­bre­ci­mento, ataca a Cons­ti­tuição, des­trói vidas. Daí que al­gumas te­o­rias, muito co­muns, de que cri­ticar o mi­nistro o en­fra­quece junto dos seus pares, sejam ab­surdas.

De­pois, é pre­ciso des­trinçar entre o que não faz por opção e o que não faz por dis­tracção. Ora, muito do que não fez e não faz por opção, tem sido de­vido à con­si­de­ração de que, no plano das res­pec­tivas or­ga­ni­za­ções, con­taria com forte re­sis­tência, ou seja, so­maria mais pro­blemas aos pro­blemas exis­tentes, porque ne­ces­sita de ho­mo­ge­neizar a visão da su­pe­res­tru­tura das forças cri­ando assim bar­reira à im­ple­men­tação das res­pec­tivas me­didas.

Na con­cepção deste Go­verno e dos par­tidos que o compõe, não está a pre­o­cu­pação de res­ponder aos pro­blemas dos pro­fis­si­o­nais, nem me­lhorar a se­gu­rança das po­pu­la­ções, mas o acen­tuar da ver­tente re­pres­siva e a res­trição de di­reitos dos pro­fis­si­o­nais. Também por isso, a luta dos pro­fis­si­o­nais das forças e ser­viços de se­gu­rança tem cada vez mais de ser parte in­te­grante da luta mais geral dos le­sados por esta po­lí­tica, porque só com uma mu­dança de Go­verno e de po­lí­tica pode ser en­con­trado um outro ca­minho que res­ponda às suas le­gí­timas ex­pec­ta­tivas e as­pi­ra­ções.




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