A hecatombe

Henrique Custódio

À hora a que es­crevo – terça-feira – os co­men­ta­dores tro­peçam no que dis­seram e es­ta­telam-se no que au­guram para o mo­mento a se­guir. A de­so­ri­en­tação é geral e as opi­niões pun­do­no­rosas trans­fi­guram-se em pal­pites des­pu­do­rados, sem que os opi­na­dores acusem uma brisa de va­ci­lação na pose aus­tera com que cer­ti­ficam as suas elo­cu­bra­ções.

Tudo porque as elei­ções eu­ro­peias do pas­sado do­mingo des­man­te­laram a es­tru­tura de en­ganos que os par­tidos do «arco da go­ver­nação» – PS, PSD e CDS – têm me­ti­cu­lo­sa­mente cer­zido nos úl­timos três anos.

A he­ca­tombe que de­sabou sobre a co­li­gação de di­reita e a vi­tória de Pirro do PS de Se­guro (Mário So­ares dixit) exibem cru­a­mente, nos de­sas­tres dos res­pec­tivos re­sul­tados, tanto o re­púdio, o des­cré­dito e a falta de base so­cial de apoio em que se en­contra a co­li­gação de di­reita no poder, so­frendo uma der­rota hu­mi­lhante e sem pre­ce­dentes neste es­cru­tínio (desceu aos 27%), como o des­pres­tígio e o des­cré­dito dos 31% do PS de Se­guro quanto a ter algum papel numa al­ter­na­tiva ao de­sastre em curso. E essa al­ter­na­tiva apenas se im­porá com a re­cusa frontal do Go­verno por­tu­guês em se­guir os di­tames da troika e in­sistir no pro­grama de des­truição do País de­mo­crá­tico cons­truído com a Re­vo­lução de Abril.

Como apontou cla­ra­mente a vi­tória e a su­bida da vo­tação da CDU, que ti­veram de ser ad­mi­tidas por todos, em­bora o con­tra­gosto não lhes con­sen­tisse, à massa co­men­ta­tória, re­co­nhecer o motor dessa vi­tória: a cam­panha de ho­nes­ti­dade e de ques­ti­o­na­mento di­recto desta po­lí­tica de de­sastre, in­cluindo a exi­gência de se dis­cutir a pre­sença de Por­tugal no euro.

Co­mentam mais a gosto a eu­foria do «voto in­de­pen­dente» na fi­gura po­pu­lista de Ma­rinho Pinto, que se apre­sentou sem uma ideia e só provou (após um bando de «can­di­datos te­le­vi­sivos» vi­to­ri­osos, como San­tana Lopes ou Só­crates, Moita Flores ou o pró­prio Ma­rinho) que a ex­po­sição te­le­vi­siva é um po­de­roso elixir elei­toral, desde que acom­pa­nhada por ver­bor­reia a con­tento.

O des­norte foi vi­sível em An­tónio José Se­guro pois, logo na se­gunda-feira a se­guir à vi­tória (que pro­cla­mara mais de uma de­zena de vezes), pro­vi­den­ciou uma re­por­tagem te­le­vi­siva que lhe se­di­men­tasse a tran­qui­li­dade do líder, mos­trando-o a sair de casa como um ci­dadão que inicia mais um dia de tra­balho, para no dia se­guinte de­sa­pa­recer sem deixar rasto, após An­tónio Costa o de­sa­fiar para a dis­puta da li­de­rança.

As te­le­vi­sões já es­fregam as mãos com a «guerra aberta no PS», que lhes pro­mete en­cher as pri­meiras pá­ginas nos pró­ximos tempos, en­quanto o fa­moso «contar de es­pin­gardas» ainda é uma pro­cissão a chegar ao adro, no vo­látil campo destes com­bates nos par­tidos da bur­guesia.

É lá com eles e, como disse Je­ró­nimo de Sousa, o pro­blema do PCP com o PS nunca foi das caras que o che­fiam, mas das po­lí­ticas que pra­ticam quando estão no poder. Não con­fundam – e não es­queçam.




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