Ilusionismo Governativo

Manuel Gouveia

Atrair a atenção para um lado en­quanto no outro se mete a moeda no bolso, é um dos tru­ques es­sen­ciais do ilu­si­o­nismo. Nos trans­portes o ilu­si­o­nismo tem sido uti­li­zado com frequência pelo go­verno. A mais re­cente en­ce­nação é a do de­sa­pa­re­ci­mento das In­dem­ni­za­ções Com­pen­sa­tó­rias (IC’s) com a con­cessão dos trans­portes a pri­vados.

Aquilo que é de­ci­sivo para o Go­verno – fazer passar o di­nheiro das contas pú­blicas para os bolsos dos ca­pi­ta­listas – con­tinua a re­a­lizar-se mesmo de­fronte dos olhos de todos, mas o go­verno in­siste, e in­siste, «vejam como de­sa­pa­recem as IC’s », «vejam, vejam, e es­pantem-se».

Ten­temos ex­plicar nestes 2150 ca­rac­teres o truque.

No Metro do Porto já fun­ciona, desde o início da ope­ração, o «mo­delo» de pri­va­ti­zação que o Go­verno quer agora impor aos res­tantes trans­portes pú­blicos. Temos uma em­presa pú­blica, a Metro do Porto, que tem a con­cessão do Metro do Porto e outra em­presa, a Vi­a­Porto, que é pri­vada, e detém a sub­con­cessão da ex­plo­ração co­mer­cial.

A Metro do Porto as­sumiu todos os custos com a cons­trução da in­fra­es­tru­tura (que o Es­tado não fi­nan­ciou) à custa de em­prés­timos ban­cá­rios. A cada ano, a Metro do Porto as­sume os en­cargos dessa dí­vida, as­sume os custos de ma­nu­tenção da in­fra­es­tru­tura, com a lim­peza, a vi­gi­lância e a bi­lhé­tica, paga o le­a­sing dos com­boios, e ainda tem que su­portar os seus pró­prios custos de fun­ci­o­na­mento, pois até uma ges­tora de sub­con­ces­sões e sub­con­tratos tem custos. E ainda paga um valor anual à sub­con­ces­si­o­nária Via Porto.

Em 2013, a Metro do Porto re­cebeu 38 Mi­lhões de bi­lhetes e passes e 12 Mi­lhões de IC’s. E pagou à Vi­a­Porto 49,9 Mi­lhões pelo con­trato de sub­con­cessão. Ou seja, for­mal­mente a pri­vada Vi­a­Porto não re­cebe IC, mas na prá­tica é ela que a re­cebe bem como todas as re­ceitas ge­radas no sis­tema, fi­cando a em­presa pú­blica sem outra al­ter­na­tiva que o cres­cente en­di­vi­da­mento como única «re­ceita» que o Go­verno au­to­rizou.

Sem IC’s, para a pri­vada Vi­a­Porto nada mu­daria, re­ce­beria os mesmos 49,9 mi­lhões. Mas a pú­blica Metro do Porto fi­caria com menos 12 mi­lhões. E a sua dí­vida, teria cres­cido 469 mi­lhões em vez dos 457 mi­lhões que de facto cresceu em 2013.

O fim das IC’s não re­solve nada. É puro ilu­si­o­nismo.




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