«Firmes nos princípios
unidos na acção, confiantes no futuro» (1)

VII Congresso (Extraordinário) do PCP

Manuel Rodrigues

No dia 20 de Ou­tubro de 1974 re­a­li­zava-se em Lisboa o VII Con­gresso (Ex­tra­or­di­nário) do PCP, o pri­meiro em li­ber­dade após quase meio sé­culo de di­ta­dura fas­cista.

Nos seis meses que se ti­nham se­guido ao le­van­ta­mento mi­litar e po­pular do 25 de Abril, muitas coisas de facto ti­nham mu­dado, como se dei­xava ex­presso na Pro­cla­mação do Con­gresso: «Por­tugal vive em li­ber­dade. A guerra co­lo­nial acabou. Tor­naram-se re­a­li­dade dois dos grandes ob­jec­tivos da luta do povo por­tu­guês ao longo dos anos. Fi­caram para trás há já seis meses o pe­sa­delo da di­ta­dura fas­cista, a ne­gação das mais ele­men­tares li­ber­dades, a om­ni­po­tência da PIDE, as per­se­gui­ções, as pri­sões, as tor­turas, os as­sas­si­natos, a guerra in­justa quei­mando vidas, es­tro­pi­ando e mu­ti­lando. O povo por­tu­guês não quer voltar ao pas­sado. Quer con­servar e está pronto a de­fender aquilo que con­quistou e ga­nhou com o 25 de Abril e desde então».

Com um único ponto na ordem de tra­ba­lhos – «a dis­cussão e apro­vação de mo­di­fi­ca­ções ao Pro­grama e Es­ta­tutos do Par­tido, tendo em conta a nova si­tu­ação po­lí­tica exis­tente em Por­tugal após o 25 de Abril e as novas ta­refas dela de­cor­rentes» – o VII Con­gresso viria a ser pre­pa­rado em es­cassas duas se­manas (con­vo­cado a 6 de Ou­tubro). E mesmo num tão curto pe­ríodo de tempo, e à mis­tura com as mil e uma ta­refas e exi­gên­cias da nova si­tu­ação po­lí­tica em que o PCP como van­guarda re­vo­lu­ci­o­nária da classe ope­rária e das massas po­pu­lares es­tava pro­fun­da­mente em­pe­nhado, re­a­lizou-se, por todo o País, um in­tenso tra­balho pre­pa­ra­tório, com cen­tenas de reu­niões em que par­ti­ci­param muitos mi­lhares de mem­bros do Par­tido. Nas ses­sões do Con­gresso par­ti­ci­param mil de­le­gados e contou com a pre­sença de mais de quatro mil mem­bros do par­tido.

Os con­teúdos do Con­gresso

Além das al­te­ra­ções ao Pro­grama e Es­ta­tutos, tor­nadas in­dis­pen­sá­veis pelas novas con­di­ções de li­ber­dade e le­ga­li­dade em que o PCP pas­sara a in­tervir (o Par­tido dei­xara de ser um Par­tido clan­des­tino para ser um Par­tido legal e de Go­verno), e mesmo antes das trans­for­ma­ções de fundo que se im­pu­nham, o VII Con­gresso con­si­derou ne­ces­sária, como ta­refa ime­diata, «a adopção de me­didas de emer­gência que per­mitam so­lu­ci­onar os pro­blemas mais ins­tantes da vida na­ci­onal». Nesse sen­tido, foi pro­posta e apro­vada uma im­por­tante Pla­ta­forma de Emer­gência que, pos­te­ri­or­mente, viria a ser co­lo­cada à apre­ci­ação do povo e das forças de­mo­crá­ticas. Uma Pla­ta­forma de Emer­gência «para con­so­lidar a nova si­tu­ação po­lí­tica, para as­se­gurar a es­ta­bi­li­dade eco­nó­mica e fi­nan­ceira, para me­lhorar as con­di­ções de vida das massas po­pu­lares, para ga­rantir o ca­minho se­guro para as elei­ções (…), com três di­rec­ções ca­pi­tais. A pri­meira: o re­forço do Es­tado de­mo­crá­tico e a de­fesa das li­ber­dades; a se­gunda: a de­fesa da es­ta­bi­li­dade eco­nó­mica e fi­nan­ceira com vista ao de­sen­vol­vi­mento; a ter­ceira: o pros­se­gui­mento da des­co­lo­ni­zação».

Na in­ter­venção de aber­tura, Álvaro Cu­nhal jus­ti­fi­cava a ne­ces­si­dade destas ta­refas pri­o­ri­tá­rias e ime­di­atas, re­fe­rindo a prin­cipal ameaça que es­prei­tava a jovem de­mo­cracia e a ne­ces­si­dade de lhe dar res­posta:

«A ameaça para a li­ber­dade não con­siste só na acção contra-re­vo­lu­ci­o­nária de cons­pi­ra­dores. A prin­cipal ameaça para a li­ber­dade vem do poder eco­nó­mico que es­tran­gula o de­sen­vol­vi­mento do País e que é a base do apoio po­lí­tico e fi­nan­ceiro da contra-re­vo­lução.

«Ao mesmo tempo que cons­piram com vistas a impor no­va­mente uma di­ta­dura que pro­teja pela força a sua ili­mi­tada ex­plo­ração do povo por­tu­guês, sa­botam a eco­nomia, cortam cré­ditos, anulam in­ves­ti­mentos e en­co­mendas, or­ga­nizam a evasão de ca­pi­tais, pa­ra­lisam ou di­mi­nuem a la­bo­ração de fá­bricas, deixam campos por la­vrar e co­lheitas por co­lher, des­pedem sem justa causa os tra­ba­lha­dores, e pro­curam assim pro­vocar uma grave si­tu­ação eco­nó­mica em que a de­sor­ga­ni­zação da pro­dução e as di­fi­cul­dades le­vantem o des­con­ten­ta­mento, opo­nham o povo ao Go­verno e abram fácil ca­minho à contra-re­vo­lução.

«Se um re­gime de li­ber­dade e de­mo­cracia quer so­bre­viver e de­sen­volver-se, tem que li­mitar e li­quidar, fi­nal­mente, o poder eco­nó­mico dos mo­no­pó­lios e la­ti­fun­diá­rios, fazer in­tervir cada vez mais o Es­tado na eco­nomia sem pre­juízo da ini­ci­a­tiva pri­vada não mo­no­po­lista, pro­ceder à na­ci­o­na­li­zação de sec­tores-chave da eco­nomia e en­tregar aos cam­po­neses grandes la­ti­fún­dios.»

Um grande êxito po­lí­tico

A nota da Co­missão Po­lí­tica do CC de 21 de Ou­tubro su­blinha o grande êxito po­lí­tico que cons­ti­tuiu a re­a­li­zação deste Con­gresso do Par­tido: pela «afir­mação do seu en­rai­za­mento na­ci­onal e da de­mo­cracia da sua vida in­terna, apesar das con­di­ções ex­tra­or­di­ná­rias da sua efec­ti­vação; pelo vi­brante en­tu­si­asmo, pela clara ma­ni­fes­tação de co­esão de todo o Par­tido e da sua di­recção; pelo es­pí­rito de or­ga­ni­zação e dis­ci­plina, livre e na­tu­ral­mente pra­ti­cada, e pelas re­la­ções de fra­terna ca­ma­ra­dagem que evi­den­ciou. Foi-o igual­mente pela im­por­tância po­lí­tica dos do­cu­mentos apro­vados, pela de­fi­nição das grandes ta­refas pri­o­ri­tá­rias que se co­locam na si­tu­ação po­lí­tica ac­tual (…)».

O VII Con­gresso do PCP viria a in­flu­en­ciar de­ci­si­va­mente o rumo e a di­nâ­mica do pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário e a re­flectir-se nas pro­fundas trans­for­ma­ções que, nos meses se­guintes, se vi­riam a operar: re­gime de­mo­crá­tico, re­forma agrária, na­ci­o­na­li­za­ções, con­trolo ope­rário, in­de­pen­dência das ex-co­ló­nias, entre muitas ou­tras. Mas também no grande re­forço do PCP que então se ve­ri­ficou, no re­forço da ali­ança entre o mo­vi­mento po­pular e o Mo­vi­mento das Forças Ar­madas e da uni­dade entre o PCP e o Mo­vi­mento De­mo­crá­tico Por­tu­guês e entre classes e ca­madas anti-mo­no­po­listas.

Con­fi­ança no fu­turo

Em sín­tese, como re­fere a Pro­cla­mação apro­vada, «ao re­a­lizar o seu Con­gresso Ex­tra­or­di­nário, o PCP pro­clama bem alto que, hoje como sempre, os co­mu­nistas estão prontos a todas as provas e sa­cri­fí­cios para ser­virem o povo e o País, para serem dignos da con­fi­ança que a classe ope­rária, o povo tra­ba­lhador, a ju­ven­tude e ou­tros sec­tores da po­pu­lação neles de­po­si­taram e de­po­sitam.»

(1) Tí­tulo de 1.ª pá­gina do Avante! de 21 de Ou­tubro de 1974, re­fe­rente ao VII Con­gresso Ex­tra­or­di­nário do PCP

 



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