Chamaram-lhe terramoto
Ao escândalo Espírito Santo, essa gigantesca operação de pilhagem que ameaça deixar a mítica aventura de Alves Reis à beira de uma envergonhada mediocridade, o «Prós e Contras» chamou «terramoto», o que não parece inadequado: na verdade já muita coisa ruiu, já muita desgraça aconteceu, e muita mais pode ainda acontecer na sequência das aventuras a que «o maior banco português», como era e ainda é designado o Banco Espírito Santo, foi conduzido pelas mãos do dr. Ricardo e decerto não apenas dele. De passagem e antes que esqueça, vale a pena referir e sublinhar as palavras, por alguém lembradas na emissão de segunda-feira, com que o dr. João Duque descreveu o dr. Ricardo quando este foi galardoado com o doutoramento «honoris causa» que lhe foi imposto no Instituto Superior de Economia e Gestão, o estabelecimento de topo de que precisamente o dr. Duque é director. É que o dr. Duque é um dos sábios que na TV, e não só, mais encarniçadamente tem defendido a política de espoliação nacional do Governo, e das palavras manifestamente rendidas com que então celebrou os superiores méritos do dr. Ricardo se adivinha o grau de clarividência e justeza com que maneja o leme do Instituto que vem fornecendo ao País os novos quadros nas áreas de economia e finanças.
Uma ausência, uma sombra
Aliás, muito do que se ouviu ao longo da emissão merece ser registado. Pedro Lains afirmou que os bancos «ganharam um poder desmesurado», que «o Governo tem de parar», e lançou uma interrogação fundamental: «- Como é que isto tem de mudar?» Referindo-se à fúria privatizadora que vem arruinando o País, acusou o Governo de ter privatizado «mal, barato e em exagero». Viriato Soromenho Marques afirmou que a crise «vai ser a destruição de uma ideia de economia de mercado» e, num outro momento, sublinhou que «o desenho político em que estamos mergulhados é o desenho da Zona Euro», o que aponta para uma submissão do Governo português e para a denúncia do modelo económico-financeiro que impera na Europa. Mesmo Avelino de Jesus, que se confessou «apoiante do Governo», recriminou o governador do Banco de Portugal, o primeiro-ministro e o Presidente da República pelas garantias que publicamente deram à suposta solidez do Banco Espírito Santo, dessa recriminação partindo o dr. Avelino para um sintomático conselho em que insistiu: o de que é sempre preciso desconfiar, desconfiar, «desconfiar permanentemente». Carlos Queiroz, figura destacada do mundo dos futebóis, veio contar como foi verdadeiramente vigarizado por uma extensão do BES no Dubai e lançou reiterados protestos contra a impunidade de que gozará a generalidade dos responsáveis: «- Uma vez mais ficamos a discutir as questões técnicas», disse ele ao denunciar o silêncio sobre a definição de critérios de responsabilidade. Das palavras de um funcionário do banco se entendeu como os empregados bancários são profissionalmente pressionados para aliciarem clientes para a aceitação de operações risco de que pode resultar a ruína. Todos estes depoimentos, e alguns outros mais, foram importantes para darem aos cidadãos telespectadores uma ideia da dimensão do desastre e para identificação de responsáveis. Faltou, porém, quem lembrasse (já que à burla havia sido chamado «terramoto»), que aquele sismo e outros semelhantes não resultam do movimento de placas tectónicas mas sim das leis internas do capitalismo que campeia sob o pseudónimo de «economia de mercado». Isto é: faltou uma voz que exprimisse uma visão marxista sobre o acontecido. E essa omissão, que como bem se sabe corresponde a um comportamento frequente do «Prós e Contras», lançou uma lamentável sombra sobre o mérito da emissão.