Comentário

Angela Merkel do alto do olimpo

Maurício Miguel

Passos Co­elho apontou aos jo­vens a porta da rua como ser­ventia da casa, ou, noutro dizer mais po­lido, que par­tissem todos em pe­re­gri­nação para lá da fron­teira, po­deria ser aquela de Ba­dajoz ou de Vilar For­moso, porta para a Eu­ropa, onde, se­gundo o pró­prio, es­tando de maré a sorte ou so­prando o vento a favor, todos en­con­tra­riam o que Por­tugal não tinha para lhes ofe­recer, em­prego, di­reitos, um fu­turo de re­a­li­za­ções e digno para si e para as suas fa­mí­lias. Ou­tros mem­bros do Go­verno se­guiram a voz do dono, e por go­ver­na­men­tais pa­la­vras lá foram di­zendo que não tinha o País que os pariu von­tade de os lamber, en­jei­tando fi­lhos e en­te­ados onde já não abundam. Apesar da des­ne­ces­sária in­sis­tência, são as pa­la­vras uma pobre evo­cação de de­ci­sões e po­lí­ticas deste e de an­te­ri­ores go­vernos, das suas de­sas­trosas con­sequên­cias, di­rectas e in­di­rectas, pelo que es­bo­roar-se-ão na pos­te­ri­dade se delas não restar tes­te­munho, e pelo andar da car­ru­agem, ou da pe­re­gri­nação, serão cada vez menos os que cá fi­carão para contar a his­tória. Lo­ca­li­zava-se, pois, para lá da fron­teira o pa­raíso se­gundo Passos e Portas, a ja­nela de opor­tu­ni­dade por onde pas­sa­riam ho­mens e mu­lheres rumo ao em­prego, sendo por­tanto um acto pi­e­doso o que de cima a baixo, ou ao revés, a hi­e­rar­quia do Go­verno ad­vo­gava. Mi­nis­tros e se­cre­tá­rios de Es­tado an­davam pelo País a de­fender que par­tissem novos e ve­lhos, que para esses também não tinha o País lugar, e lá foram todos, um ad­junto de gente ru­mando à fron­teira, ale­gres e con­tentes, se­gundo fontes do Go­verno, ha­vendo es­pe­rança que de lá não vol­tassem tão cedo, para não en­grossar ainda mais a taxa de de­sem­prego, ou, re­gres­sando, que de­vol­vessem o es­pólio da ro­magem para en­ga­lanar o vir­tuoso pa­ga­mento da im­pa­gável dí­vida pú­blica. Um cor­rupio de gentes, di­versas pro­ve­ni­ên­cias, um des­tino comum ver­gado a malas, mo­chilas e ta­recos, cru­zavam-se os ca­mi­nhos, se­guiam em co­mu­ni­dade de língua e de origem, quando não de des­tino, vão aqueles para França, os ou­tros para a Ho­landa, Bél­gica, Ale­manha, mais para Norte os que além vão, têm por des­tino a Es­can­di­návia, para o outro lado par­tiram para o Brasil e An­gola.

Ao en­trar neste olimpo, di­gamos entre a Raia e os Urais, ficam as gentes su­jeitas a mandos e des­mandos de ou­tros deuses, das suas per­so­na­li­dades, hu­mores e fei­tios, é outra a al­çada da lei, se não é a mesma, é o des­tino comum de Por­tugal e da UE. Vão os olhos em de­am­bu­lação desde a base até ao cimo deste olimpo, cal­cor­reia-se uma a uma as di­vin­dades até chegar ao topo, onde uma dis­tracção não daria conta que al­guém es­taria, menos po­deria uma má visão, es­frega-se os olhos para tentar ver e lá está ela, a su­prema di­vin­dade, An­gela Merkel de sua graça, chefe do go­verno alemão. Di­fe­rentes os deuses mas uma vo­cação comum. Não sa­bemos se por omissão de lin­guagem, falha na tra­dução si­mul­tânea, ou erro na im­pressão, o seu de­creto mais re­cente surge-nos assim, e não me­te­remos nele prego nem es­topa, dito foi, trans­crito será: «A Eu­ropa não é terra de fu­turo para jo­vens». É de ex­cluir equí­vocos, apesar de tão alto vir a men­sagem, surgem-nos as pa­la­vras lím­pidas, mag­nâ­nimas desde a sua origem ao des­tino, até porque já antes, lá do alto, ha­viam che­gado ou­tras não menos pre­mo­ni­tó­rias. Um de­creto assim, a con­fissão de im­po­tência ou de­ter­mi­nação de uma tal di­vin­dade é para levar a sério. Com­pre­ende-se a de­cepção de todos os que con­tavam poder be­ne­fi­ciar da sua be­ne­vo­lência, da sua pro­tecção, e não são poucos, conta-se aos mi­lhões os que par­tiram, quando aos por­tu­gueses se jun­tarem os es­pa­nhóis, os gregos, os ita­li­anos, os turcos e todos os ou­tros que de África, da Ásia, da Amé­rica La­tina pro­curam con­cre­tizar a vo­cação mais bá­sica da hu­ma­ni­dade, a so­bre­vi­vência e, se pos­sível, re­a­lizar as­pi­ra­ções que só bar­rigas cheias podem so­nhar.

Os olimpos su­cumbem ao poder ar­di­loso das di­vin­dades, par­ti­cu­lar­mente dos que pa­recem pairar por cima de todos os ou­tros, mesmo de Merkel, fa­lamos do ca­pital. Dos es­com­bros re­er­guer-se-á, pela von­tade hu­mana, uma re­a­li­dade ma­te­rial que cor­res­ponda ao pulsar do tempo his­to­ri­ca­mente de­ter­mi­nado e às as­pi­ra­ções dos povos. O fu­turo de uma ge­ração, de um povo, de um país, não está nas mãos de qual­quer di­vin­dade, tenha ela a na­ci­o­na­li­dade que tiver. Só a luta pode romper com os di­tames de quem julga pairar acima dos povos, as di­vin­dades que se ar­rogam no poder de de­cretar assim, de uma pe­nada, o pre­sente e o fu­turo de todos aca­barão por tombar às suas mãos.




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