Óscar Lopes: nome de uma rua em Gaia

Jorge Sarabando

A his­tória conta-se em poucas pa­la­vras.

Du­rante o pe­núl­timo man­dato, a Câ­mara ins­talou o Ar­quivo Mu­ni­cipal, de­pois de obras de adap­tação, no edi­fício do an­tigo Tri­bunal.

Tempos antes, o pre­si­dente, Luís Fi­lipe Me­neses, ma­ni­festou a sua von­tade de que fosse dado o nome de Óscar Lopes ao novo equi­pa­mento. Para o efeito en­viou uma men­sagem e o pro­fessor deu o seu con­sen­ti­mento.

Mas, che­gada a oca­sião, o nome anun­ciado foi o de Sophia de Mello Breyner. Grande po­e­tisa e con­tista, fi­gura ci­meira da li­te­ra­tura por­tu­guesa, lu­ta­dora pela de­mo­cracia, o seu nome foi também uma boa es­colha.

Mas havia um com­pro­misso an­te­rior. O Exe­cu­tivo de então, no en­tanto, nada co­mu­nicou ao pro­fessor Óscar Lopes, num gesto cen­su­rável. Pro­meteu de­pois que o seu nome seria dado a uma nova ar­téria a abrir no centro da ci­dade, entre a Ave­nida da Re­pú­blica e a rua do Ge­neral Torres. Mas também essa viria a ter o nome de outra per­so­na­li­dade.

Quem assim pro­cedeu mos­trou não ter pa­lavra nem res­peito por quem deve.

O fa­le­ci­mento de Óscar Lopes ocorreu du­rante o úl­timo man­dato. No mo­mento, o grupo mu­ni­cipal da CDU apre­sentou uma Moção na As­sem­bleia em que, re­lem­brando estes factos, re­co­men­dava ao Exe­cu­tivo que atri­buísse o seu nome a uma rua ou praça con­dignas, ou a um equi­pa­mento edu­ca­tivo ou cul­tural. Como pe­da­gogo, como es­critor, como ci­dadão, como hu­ma­nista, me­recia bem esta ho­me­nagem do Mu­ni­cípio de Gaia. Mas a Moção foi re­jei­tada com os votos da mai­oria então vi­gente do PSD/​CDS.

Já no pre­sente man­dato, a pro­posta voltou a ser apre­sen­tada na As­sem­bleia Mu­ni­cipal. Desta vez não se ou­viram vozes con­trá­rias, e os pre­si­dentes da Câ­mara e da As­sem­bleia ma­ni­fes­taram pron­ta­mente o seu acordo.

A Rua Óscar Lopes foi fi­nal­mente inau­gu­rada em 23 de De­zembro, numa ce­ri­mónia pú­blica con­digna, na fre­guesia de Grijó.

Este epi­sódio ilustra bem um tempo e como, afinal, o ódio e o pre­con­ceito per­ma­necem para além das apa­rên­cias. E como vale a pena per­sistir numa luta, por pe­quena que seja, se é justa.

Um ci­dadão exem­plar

Óscar Lopes foi sempre uma pessoa que­rida, dos seus alunos, dos seus co­legas, dos seus com­pa­nheiros de luta, dos seus ca­ma­radas.

En­fren­tava as ad­ver­si­dades com um sor­riso de con­fi­ança e uma energia con­ta­gi­ante. Preso na ca­deia da PIDE no Porto, à Rua do He­roísmo, pas­sava horas de pé em cima dum banco para se apro­ximar de uma fraca luz e assim poder ler e es­tudar. A cen­sura, du­rante certos pe­ríodos, proibia que o seu nome apa­re­cesse es­crito em qual­quer órgão de im­prensa. Não im­porta, in­ven­tava pseu­dó­nimos e es­crevia sempre, apesar dos cortes ha­bi­tuais.

Por es­tranho que hoje possa pa­recer, a di­ta­dura fas­cista, do alto da sua má­quina re­pres­siva, temia este pro­fessor de Liceu, a quem vedou o acesso ao en­sino uni­ver­si­tário e a que lec­ci­o­nasse ma­té­rias da sua for­mação. Apa­gava o seu nome onde apa­recia, con­tro­lava de perto os seus passos, cer­ceava as ac­ti­vi­dades cul­tu­rais que di­na­mi­zava. Tal não im­pediu a sua in­tensa pro­dução como en­saísta e crí­tico li­te­rário, como as suas abor­da­gens ino­va­doras das re­la­ções da língua com a ma­te­má­tica ou a li­gação à mú­sica, como não con­se­guiu im­pedir a sua mi­li­tância co­mu­nista, de mais de meio sé­culo.

Logo a se­guir ao 25 de Abril, foi eleito por alunos e pro­fes­sores Di­rector da Fa­cul­dade de Le­tras do Porto, onde deixou uma obra as­si­na­lável, e dis­cí­pulos que con­ti­nuam a re­cordar dele o saber e o ser.

Numa das ho­me­na­gens que lhe foi pres­tada, Álvaro Cu­nhal falou do «homem que, tendo ao longo dos anos en­si­nado tanto, teve a su­pe­rior vir­tude dos que muito sabem: não só en­sinar como aprender. Com o es­tudo, com a vida, com a ex­pe­ri­ência. In­se­rindo desde jovem a sua in­te­li­gência, a sua re­flexão, o seu saber, a sua acção como ci­dadão, na vida e na luta dos tra­ba­lha­dores, do povo, da he­róica re­sis­tência an­ti­fas­cista, do co­lec­tivo dos seus ca­ma­radas e do seu Par­tido».

Óscar Lopes re­cebeu as mais altas dis­tin­ções, das uni­ver­si­dades e do País, como as Or­dens da Ins­trução Pú­blica e da Li­ber­dade, ou o Prémio Vida Li­te­rária, da APE, en­tregue pes­so­al­mente no Porto pelo Pre­si­dente da Re­pú­blica Jorge Sam­paio. Mas nada al­te­rava o seu modo sim­ples de estar, aquele seu dom de en­sinar como um acto de par­tilha.

Foi um ser hu­mano raro, uma pessoa ín­tegra, um ci­dadão exem­plar, um lu­tador co­ra­joso pela li­ber­dade, pela cul­tura, pelo so­ci­a­lismo, pelos va­lores de Abril.

O seu pen­sa­mento, a sua obra li­te­rária, a sua in­ter­venção cí­vica, me­recem re­vi­si­tação e re­flexão.




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