O melhor de sempre

Anabela Fino

2014 foi o ano em que Por­tugal perdeu mais de 400 camas hos­pi­ta­lares; em que 269 clí­nicos pe­diram à Ordem dos Mé­dicos os cer­ti­fi­cados para exercer a pro­fissão no es­tran­geiro; em que 2082 en­fer­meiros emi­graram, o que dá uma média de 5,7 por dia; em que as ur­gên­cias dos hos­pi­tais re­ben­taram pelas cos­turas por falta de pro­fis­si­o­nais e camas para in­ter­na­mento, com tempos de es­pera a atingir as 18 horas e mais; em que cor­po­ra­ções de bom­beiros de­nun­ci­aram que há am­bu­lân­cias a fi­carem re­tidas nos hos­pi­tais por falta de macas e de­mais ma­te­rial; em que houve pelos menos 66 mil pro­cessos de pe­nhoras de casas ou exe­cução de hi­po­tecas (dados de Se­tembro); em que só entre Ou­tubro e No­vembro mais 1700 cri­anças per­deram o abono de fa­mília; em que voltou a cair o nú­mero dos que re­cebem o com­ple­mento so­li­dário para idosos, o sub­sídio de de­sem­prego e o ren­di­mento so­cial de in­serção, entre ou­tros apoios so­ciais; em que morreu gente no ser­viço de ur­gên­cias sem ter sido aten­dida; em que...

O rol podia con­ti­nuar por aí, fa­lando nos dramas que cada nú­mero tem con­tido no bojo, acres­cen­tando ou­tros, tantos, que não ca­be­riam nestas li­nhas, mas tal seria não só de­pri­mente como po­li­ti­ca­mente in­cor­recto, nestes tempos em que Pedro e Paulo já não vis­lum­bram nu­vens ne­gras no ho­ri­zonte, Pires trans­borda de con­fi­ança no cres­ci­mento da eco­nomia, e o se­nhor Silva con­tinua a ca­ca­rejar de con­tente sempre que o Go­verno põe um ovo.

As des­graças do povo, con­sa­bi­da­mente ma­draço, não cabem no dis­curso ofi­cial, cujo, in­siste-se e re­pete-se até à exaustão, diz que o País está bem e re­co­menda-se. Se não é o nosso caso pa­ci­ência, azar, al­guma coisa fi­zemos ou dei­xámos de fazer para não es­tarmos a ca­valgar a maré dos su­cessos que pro­li­feram como co­gu­melos em terras de Por­tugal. A prova de que assim é chegou-nos esta se­mana através do co­mu­ni­cado dis­tri­buído pelo
grupo BMW em Por­tugal, dando conta de que 2014 foi o «me­lhor ano de sempre», com a venda de «12 961 uni­dades, entre au­to­mó­veis BMW e Mini e mo­to­ci­clos BMW, o que cor­res­ponde a um cres­ci­mento de 35% face ao ano an­te­rior».

Maria An­to­nieta terá dito «se o povo tem fome, por que não come bri­o­ches?» Maria Luís não re­co­mendou a compra de BMW, mas lá que al­guém anda a comprá-los com o nosso di­nheiro, isso anda.




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