Logro ou convergência

Jorge Cordeiro

Sem conseguir evitar ideias feitas como a que o PS usa para disfarçar compromissos com a política de direita de que «não basta resistência e protesto», Ana Drago do Tempo de Avançar formulou uma imaginativa solução para viabilizar uma «agenda inadiável para uma nova maioria». Para Ana Drago a questão resumir-se-ia a pôr num A4 meia dúzia de compromissos que pudesse unir aqueles que, segundo ela, «têm feito oposição» ao actual governo».

A convergência é bem mais complexa do que a miraculosa ideia de que bastaria, para a concretizar, juntar uns proeminentes compradores, apresentar as peças a leilão e arrematar o lote. A ideia será simpática mas é, no mínimo, ligeira. Concebida para suscitar a adesão dos que aspiram legitimamente à convergência e nela identificam, como o PCP, uma condição necessária para uma alternativa política, a proposta é, em boa verdade, não só perigosa, como enganosa. Deixemos de lado quer a identificação dos que se encaixariam no elenco de «todos os que têm feito oposição», quer o significado do conceito de «partidos anti-austeridade» e fixemo-nos no essencial.

Sob a enigmática intenção de alcançar «um compromisso acima das diferenças» ilude a questão decisiva: a natureza desse compromisso e o seu alcance para uma efectiva ruptura com a política de direita. É aí que bate o ponto. Bem intencionadas declarações contra a austeridade, ilusórias referências ao «compromisso europeu para o crescimento» darão jeito a alguns, mas omitem o crucial. Rendilhadas palavras perante desigualdades sociais sem olhar para o que as determina, convergir no acessório deixando de fora a renegociação da dívida, a recusa do Tratado Orçamental, o combate à exploração do trabalho ou o controlo publico de sectores estratégicos só pode redundar em logro. Talvez se reunisse unanimidade em torno de minudências ou declarações de estado de alma. Interessante mas curto. A convergência, essa aspiração e necessidade incontornável que mobiliza tantos democratas e patriotas, só tem sentido se a ela corresponder o objectivo de romper com a política de direita e abrir caminho a uma política patriótica e de esquerda. Querer dar-lhe outro sentido é um logro e só somará novas desilusões.




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