Grécia e Europa

Ângelo Alves

A crise eco­nó­mica na União Eu­ro­peia mantém-se e irá manter-se

Quando o PCP afirmou, já há al­guns anos, que a «crise das dí­vidas so­be­ranas» era uma ex­pressão do apro­fun­da­mento da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo e, por isso, também uma crise da União Eu­ro­peia, dos seus pi­lares e fun­da­mentos, sabia bem do ca­rácter global dessa afir­mação.

A crise eco­nó­mica na União Eu­ro­peia mantém-se e irá manter-se, sendo o ce­nário de uma es­tag­nação eco­nó­mica pro­lon­gada, acom­pa­nhada de taxas de juro e in­fla­ções perto do zero, o ce­nário mais plau­sível. Não somos nós que o di­zemos. São fi­guras in­sus­peitas tal como Larry Sum­mers1, que afirmam que «a Zona Euro vai en­frentar ten­sões e de­sa­fios subs­tan­ciais du­rante o resto da dé­cada»2, fa­lando de uma «es­tag­nação se­cular».


F
ruto de uma po­de­rosa ofen­siva de ex­plo­ração e re­gressão so­cial a crise so­cial marca hoje a re­a­li­dade da UE. O de­sem­prego per­sis­tente e cada vez mais es­tru­tural aí está, a par com os 133 mi­lhões de po­bres, cada vez mais jo­vens, e com as gri­tantes e cres­centes de­si­gual­dades re­co­nhe­cidas no re­cente re­la­tório da OCDE.

Mas a crise não se fica por aqui. Como pre­vimos, os pró­prios pi­lares da União Eu­ro­peia são postos em causa, a sua ver­da­deira na­tu­reza vem ao de cima e as po­lí­ticas de ataque di­recto à de­mo­cracia e à so­be­rania dos povos in­ten­si­ficam-se. Amanhã tem início – com uma tranche de 300 mi­lhões – a san­gria de 1,7 mil mi­lhões de euros ao povo da Grécia num só mês. O Go­verno grego, su­jeito a uma tenaz de chan­tagem po­lí­tica e as­fixia fi­nan­ceira, e ten­tando lidar com as suas pró­prias con­tra­di­ções, di­vi­sões e he­si­ta­ções tenta aquilo que a re­a­li­dade mostra ser im­pos­sível: «um acordo que ligue o res­peito pelo ve­re­dicto do povo grego ao res­peito pelas re­gras que regem a zona Euro»3.

A questão grega é eco­nó­mica, mas é também e so­bre­tudo po­lí­tica e ide­o­ló­gica, isto porque a crise na e da União Eu­ro­peia não é me­ra­mente eco­nó­mica, tem a ver com a questão cen­tral do poder, no plano na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal. Um dos con­se­lheiros eco­nó­micos de Merkel prova-o ao afirmar que qual­quer ce­dência ao Go­verno de Atenas seria «um risco moral» pois «A Grécia tem de voltar aos acordos que o go­verno an­te­rior ne­go­ciou», con­cluindo que é mais pe­ri­goso uma ce­dência à von­tade do povo grego do que o ce­nário Grexit (saída da Grécia da Zona Euro)4. Estas de­cla­ra­ções dizem quase tudo sobre o ponto em que está o caso grego. De­mons­tram também a pro­fun­di­dade da crise de le­gi­ti­mi­dade po­lí­tica da União Eu­ro­peia e a chan­tagem e ataque di­recto à de­mo­cracia que as «ins­ti­tui­ções» levam a cabo. As con­tra­di­ções do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista estão ao rubro, im­pul­si­onam a ar­ro­gância e as po­lí­ticas de im­po­sição. Já não se dis­farça os mé­todos: os se­nhores da UE e do FMI (Merkel, Hol­lande, Juncker, Draghi e La­garde) reu­niram na se­gunda-feira em Berlim para de­cidir os termos do ul­ti­mato à Grécia. Mas esta vi­o­lência po­lí­tica, este des­res­peito ex­plí­cito pela von­tade dos povos está a con­duzir a ou­tras ex­pres­sões da crise: no­me­a­da­mente a crise dos sis­temas de re­pre­sen­tação bur­guesa tão bem ex­pressa nas re­centes elei­ções em Es­panha, Itália e Grã-Bre­tanha. Uma crise po­lí­tica, dos sis­temas po­lí­ticos e da super es­tru­tura po­lí­tica da UE que por sua vez se de­sen­volve no quadro do apro­fun­da­mento das con­tra­di­ções dentro do campo im­pe­ri­a­lista.

Todos dizem que os pró­ximos dias e se­manas serão de­ci­sivos para a Eu­ropa. Não sa­bemos se o serão, uma vez que com­pete em úl­timo caso aos povos de­cidir, tal como não sa­bemos qual o des­fecho dos mais re­centes em­bates entre o Reino Unido e o eixo Paris Berlim. Mas uma coisa é certa: as crises na UE apro­fundam-se e con­firmam o que o PCP diz: uma outra Eu­ropa terá de nascer das ruínas de um pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista es­go­tado, con­trário aos di­reitos dos povos.

_______

1 Reitor da Uni­ver­si­dade de Har­vard, ex-se­cre­tário de Es­tado do Te­souro de Bill Clinton e con­se­lheiro eco­nó­mico de Ba­rack Obama.
2 O Ob­ser­vador – 25/​05/​2015
3 Alex Tsy­pras – Le Monde – 01/​06/​2015
4 Diário Eco­nó­mico – 27/​05/​2015




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