Jerónimo de Sousa põe a nu mentiras do Governo

Entre comer ou comprar medicamentos

Apos­tado em ca­mu­flar o quanto de mal a sua po­lí­tica tem feito aos por­tu­gueses, e pos­suído que está de uma des­me­su­rada ânsia elei­to­ra­lista, o Go­verno já não he­sita em re­correr à men­tira mais des­ca­be­lada no Par­la­mento.

Acesso aos me­di­ca­mentos tornou-se mais di­fícil para grande parte da po­pu­lação

No de­bate quin­zenal de sexta-feira pas­sada, 19, as­sistiu-se a mais um triste exemplo desse es­pec­tá­culo in­de­co­roso, com o pri­meiro-mi­nistro a jurar a pés juntos que as «pes­soas de ren­di­mentos mais baixos não foram afec­tadas por cortes» nos úl­timos quatro anos.

Passos Co­elho res­pondia ao Se­cre­tário-geral do PCP, que ini­ciara a sua in­ter­venção no de­bate con­fron­tando-o com o re­cente Re­la­tório de Pri­ma­vera 2015 ela­bo­rado pelo Ob­ser­va­tório Por­tu­guês dos Sis­temas de Saúde, no qual se in­dica haver menos con­sultas nos cui­dados de saúde pri­má­rios, aponta as taxas mo­de­ra­doras como um obs­tá­culo no acesso à saúde, e iden­ti­fica di­fi­cul­dades na compra de me­di­ca­mentos de­vido à re­dução do poder de compra.

Este di­ag­nós­tico con­traria em quase tudo as afir­ma­ções que ali­mentam a pro­pa­ganda do Go­verno, le­vando Je­ró­nimo de Sousa a ques­ti­onar-se sobre onde paira afinal a ver­dade e se o pri­meiro-mi­nistro con­si­dera o re­la­tório des­ti­tuído de fun­da­mento.

Men­tiras

Na res­posta, sem ter como não re­co­nhecer a exis­tência efec­tiva de um agravar das di­fi­cul­dades no acesso à saúde nestes quatro anos, de­pressa se per­cebeu a ten­ta­tiva de Passos Co­elho no sen­tido de des­va­lo­rizar e pôr mesmo em causa a pró­pria cre­di­bi­li­dade da ava­li­ação feita por aquela en­ti­dade. «Não é pre­ciso citar es­tudos de um Ob­ser­va­tório de um ex-di­rector geral do PS para chegar a essa con­clusão», afirmou.

Ad­mi­tido que foi por si que a «crise afectou as pers­pec­tivas de vida de muitos por­tu­gueses», logo porém pro­curou mi­ni­mizar os seus ver­da­deiros im­pactos as­se­ve­rando não o ter sido «nos termos em que a opo­sição tem cha­mado a atenção». E deu o exemplo dos me­di­ca­mentos, ar­gu­men­tando que «foram ven­didos mais nos úl­timos anos do que nos anos an­te­ri­ores»

O cú­mulo da des­fa­çatez viria con­tudo ainda mais ao de cima quando, logo a se­guir, sob um coro de pro­testos da ban­cada co­mu­nista, ga­rantiu que as «pes­soas com ren­di­mentos mais baixos não foram afec­tadas pelos cortes». In­dagou mesmo em tom jo­coso junto dos qua­drantes mais à es­querda do he­mi­ciclo se achavam que esta pers­pec­tiva «era um mito ur­bano».

In­sistiu por fim na re­cusa em aceitar que tenha ha­vido res­trição no acesso aos me­di­ca­mentos, as­se­ve­rando, por outro lado, que a «maior parte dos in­di­ca­dores de saúde me­lho­raram».

Na ré­plica, Je­ró­nimo de Sousa co­meçou por clas­si­ficar de «mau prin­cípio» e não ser de «bom tom» que o chefe do Go­verno vi­esse falar de um re­la­tório feito por um pro­fessor da Uni­ver­si­dade de Évora para dizer que é do PS. E ques­ti­onou se acaso isso pre­tende sig­ni­ficar que «bons são os re­la­tó­rios que vêm da área par­ti­dária do Go­verno».

Mas so­bre­tudo fez notar ao pri­meiro-mi­nistro que por via do au­mento do custo de vida, do au­mento dos im­postos (em par­ti­cular do au­mento do IVA), da perda do poder de compra, o acesso aos me­di­ca­mentos tornou-se mais di­fícil para grande parte da po­pu­lação.

«As pes­soas têm de fazer op­ções: ou comem ou com­pram os me­di­ca­mentos. Então não sa­bemos que é assim, que mi­lhares de fa­mí­lias têm de fazer estas contas, par­ti­cu­lar­mente os idosos?», ques­ti­onou, não es­con­dendo a sua in­dig­nação, o líder do PCP.

Mais men­tiras

Foi neste ponto do de­bate que Passos Co­elho, des­mas­ca­rada que foi pelo líder co­mu­nista uma vez mais a sua ten­ta­tiva de iludir a re­a­li­dade, en­ve­redou pela mis­ti­fi­cação e pelo re­curso des­ca­rado à men­tira. Foi quando afirmou, no­me­a­da­mente, que «não houve au­mento das taxas do IVA», mas «apenas a re­com­po­sição do cabaz de bens e ser­viços que es­tava fi­xado» no me­mo­rando da troika.

Ora é sa­bido que o Go­verno aplicou a al­te­ração das taxas re­du­zida e in­ter­média em vá­rios bens e ser­viços para a taxa de 23%, como acon­teceu com a elec­tri­ci­dade e o gás na­tural (que pas­saram da taxa mí­nima para a má­xima) ou com o sector da res­tau­ração, que deixou o es­calão in­ter­médio para se fixar também na taxa má­xima.

Mais, como também é sa­bido, o au­mento da taxa do IVA na energia teve ainda um efeito de bola de neve ao fazer dis­parar os preços de muitos bens e ser­viços es­sen­ciais.

Noutra fase do de­bate, Passos Co­elho vol­taria com ab­so­luto à-von­tade a evi­den­ciar o seu des­prezo pela ver­dade quando, ainda a pro­pó­sito da sua afir­mação de que as pes­soas com baixos ren­di­mentos não so­freram quais­quer cortes, veio com re­no­vado des­plante dizer que «não houve ne­nhum corte no Ren­di­mento So­cial de In­serção (RSI), ne­nhum corte no sub­sídio de de­sem­prego».

Su­cede que não re­duziu di­rec­ta­mente o valor destes apoios mas impôs um tecto para atri­buição dos mesmos e apertou cri­té­rios de se­lecção dos be­ne­fi­ciá­rios, o que na prá­tica sig­ni­ficou que no RSI, por exemplo, os cortes atin­gissem os oito mi­lhões de euros.

Ainda mais men­tiras

Passos Co­elho fingiu ainda ig­norar que o seu Go­verno cortou no com­ple­mento so­li­dário para idosos e que só não cortou mais porque a isso se opôs o Tri­bunal Cons­ti­tu­ci­onal, que travou os cortes nos sa­lá­rios a partir de 675 euros, assim como o corte de 10 por cento nas pen­sões acima de 600 euros, sem es­quecer a sua ten­ta­tiva de aplicar uma taxa de 15 por cento no sub­sídio de do­ença e de seis por cento sobre o sub­sídio de de­sem­prego.

Com todos os dentes mentiu ainda o res­pon­sável pelo Exe­cu­tivo PSD/​CDS-PP quando de­clarou que nunca tinha feito um «con­vite ao País para emi­grar», de­fen­dendo, nesta sua versão ac­tu­a­li­zada, que dis­sera apenas que «não po­demos es­tig­ma­tizar aqueles que saem à pro­cura de tra­balho».

Como se o País ti­vesse es­que­cido esse seu de­safio aos jo­vens para saírem da sua «zona de con­forto» ou essa outra afir­mação que ficou cé­lebre em que con­vida os por­tu­gueses a verem o «de­sem­prego como uma opor­tu­ni­dade».


Vender o País à peça

Não con­ven­cido com as de­cla­ra­ções de Passos Co­elho sobre a TAP, o Se­cre­tário-geral do PCP re­agiu ao que em sua opi­nião é a pressa do Go­verno em «vender o País à peça» as­so­ci­ando-a à pre­vi­sível der­rota que este tem no ho­ri­zonte e ao in­tuito de querer «mos­trar ser­viço antes de sair de cena».

E sobre o clima de «sus­peição ou de in­si­nu­ação» que o chefe do Go­verno e o mi­nistro da Eco­nomia dizem existir, o líder co­mu­nista afirmou que trate o Go­verno de in­formar a AR, o País e, «por obri­gação legal, as or­ga­ni­za­ções dos tra­ba­lha­dores da TAP» sobre o con­teúdo do pro­cesso e «logo aca­bará» esse clima de sus­peição.

Mas Je­ró­nimo de Sousa ques­ti­onou-se so­bre­tudo quanto à in­tenção de levar para a frente um pro­cesso de pri­va­ti­zação como é este – a exemplo aliás do que tem su­ce­dido em todos os ou­tros – que re­sulta em claro «pre­juízo do País e do in­te­resse na­ci­onal».

«Como é que podem con­ti­nuar a de­fender aquilo que já toda a gente per­cebeu que não serve os in­te­resses do País, serve apenas os in­te­resses do con­sórcio luso-ame­ri­cano que foi cons­ti­tuído a pro­pó­sito apenas para con­tornar as re­gras da União Eu­ro­peia?», in­dagou.

E de­pois de rei­terar que «não há um preço bom para vender a TAP nem uma per­cen­tagem boa ou acei­tável para o País», qua­li­ficou de ina­cei­tável ouvir um pri­meiro-mi­nistro afirmar com des­plante que «mais vale salvar meia TAP do que ir tudo à fa­lência».

«Sa­bemos bem o que sig­ni­fica tentar cortar por me­tade, é o prin­cípio do fim e é isso que este Go­verno pre­tende», acres­centou, fa­zendo votos de que os por­tu­gueses possam muito bre­ve­mente nas le­gis­la­tivas salvar a TAP em nome do in­te­resse na­ci­onal.


Ei-los que partem...

A me­recer a atenção de Je­ró­nimo de Sousa es­teve ainda a re­cente di­vul­gação pelo INE da es­ti­ma­tiva da po­pu­lação re­si­dente em Por­tugal em 2014, se­gundo a qual aban­do­naram o País nos úl­timos quatro anos cerca de meio mi­lhão de pes­soas, mais exac­ta­mente 485 mil por­tu­gueses. E emi­graram, su­bli­nhou, «porque aqui não havia saída para as suas vidas».

Para se ter uma ideia do que re­pre­senta tal san­gria basta dizer que é mesmo su­pe­rior ao surto emi­gra­tório da dé­cada de 60, lem­brou o líder co­mu­nista, vendo neste in­di­cador um ele­mento sig­ni­fi­ca­tivo e cre­dível que não é com­pa­rável com o tra­ta­mento dado pelo Go­verno às ques­tões do de­sem­prego e do em­prego, que «ora sobe ora desce uma dé­cima».

Daí Je­ró­nimo de Sousa ter per­gun­tado se al­guém du­vida que a es­ma­ga­dora mai­oria dos cerca de 135 mil por­tu­gueses que o INE es­tima terem emi­grado neste ano cor­res­ponde a tra­ba­lha­dores de­sem­pre­gados ou jo­vens que há muito pro­cu­ravam um em­prego e não o en­con­travam.

O Se­cre­tário-geral do PCP par­ti­lhou ainda com a Câ­mara um epi­sódio re­cente por si pro­ta­go­ni­zado em Dus­sel­dorf, Ale­manha. In­qui­rido por um jovem emi­grante que quis saber se es­tavam reu­nidas as con­di­ções para voltar a Por­tugal e re­fazer a sua vida, tendo em conta as pro­messas do Go­verno, res­pondeu-lhe que não es­tava em con­di­ções de lhe dar essa ga­rantia, em­bora gos­tasse muito de que ele re­gres­sasse.

Ora o que é sig­ni­fi­ca­tivo neste epi­sódio, con­si­derou, é que no mo­mento em que a pro­pa­ganda do Go­verno fala de que «es­tamos à beira de um final feliz e no bom ca­minho», não há afinal ne­nhuma ga­rantia de que a estes cerca de meio mi­lhão de por­tu­gueses, «muitos deles for­mados com os custos ine­rentes e que ou­tros países re­cebem a custo zero», sejam dadas con­di­ções para re­gressar à sua pá­tria.

 



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