O crime dos EUA continua impune

Hiroxima e Nagasaki<br>nunca mais!

Cristina Cardoso

A 6 e 9 de Agosto de 1945, os EUA lan­çaram as bombas ató­micas sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki. Ma­taram ins­tan­ta­ne­a­mente mais de 200 mil civis e muitos mi­lhares mor­reram das con­sequên­cias da ra­di­ação, que deixou ma­zelas nas ge­ra­ções vin­douras. Um crime que fica na his­tória como um dos mais bár­baros e odi­osos actos de agressão contra po­pu­la­ções civis, que ne­nhuma con­si­de­ração de ordem mi­litar po­deria jus­ti­ficar.

As bombas ató­micas sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki ser­viram para afirmar a he­ge­monia mi­litar dos EUA

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Um crime que os EUA pro­cu­raram jus­ti­ficar como sendo ne­ces­sário para der­rotar o Japão – país que em Agosto de 1945 já se en­con­trava à beira da der­rota – e como al­ter­na­tiva para a in­vasão ter­restre que sig­ni­fi­caria a perda de mi­lhares de vidas de sol­dados norte-ame­ri­canos. Assim se mas­sa­cram cen­tenas de mi­lhares de pes­soas, um crime que até hoje per­ma­nece im­pune.

Na ver­dade, as bombas ató­micas sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki ser­viram para afirmar a he­ge­monia mi­litar dos EUA, pela de­tenção do mo­no­pólio da arma nu­clear, pe­rante o mundo e, em par­ti­cular, pe­rante a União So­vié­tica.

Pre­o­cu­pado com uma nova ordem mun­dial de sen­tido pro­gres­sista, saída da Se­gunda Guerra Mun­dial, o im­pe­ri­a­lismo pro­curou desta forma re­a­firmar o seu po­derio, pela chan­tagem e ameaça nu­clear nas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais e pelo medo. Os avanços dos pro­cessos de li­ber­tação, o pres­tígio e au­to­ri­dade ga­nhos pela União So­vié­tica pelo seu de­ci­sivo papel na der­rota do nazi-fas­cismo, a re­sis­tência an­ti­fas­cista com ampla par­ti­ci­pação das massas e com grande in­fluência dos co­mu­nistas, a von­tade po­pular de jus­tiça e pro­gresso so­cial, eram fac­tores de­ter­mi­nantes que le­va­riam e le­varam a pro­fundas trans­for­ma­ções de­mo­crá­ticas e an­ti­mo­no­po­listas. Avanços na eman­ci­pação so­cial e na­ci­onal que era ne­ces­sário conter. Com as bombas ató­micas sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki os EUA inau­guram a «guerra fria».

Re­corde-se que três meses antes, a 9 de Maio de 1945, na sequência da en­trada do Exér­cito Ver­melho em Berlim, a Ale­manha nazi havia as­si­nado a sua ren­dição in­con­di­ci­onal, mar­cando o fim da mais he­di­onda guerra de sempre que fez 60 mi­lhões de mortos.

Após tantos anos de guerra, a Hu­ma­ni­dade co­meçou a as­pirar a tempos de Paz, de vida e de es­pe­rança. A der­rota do nazi-fas­cismo e também do mi­li­ta­rismo ja­ponês teve con­sequên­cias pro­fundas no curso da his­tória. Saíram for­ta­le­cidas as forças que de­fen­deram a paz, a de­mo­cracia, a au­to­de­ter­mi­nação dos povos e o so­ci­a­lismo. Pelo con­trário, o im­pe­ri­a­lismo saiu en­fra­que­cido.

Carta das Na­ções Unidas

Apesar da guerra ainda de­correr no Ex­tremo Ori­ente, na Eu­ropa co­meçou-se a re­cons­truir fí­sica, po­lí­tica, eco­nó­mica e so­ci­al­mente vilas, ci­dades e países in­teiros. Da vi­tória sobre o nazi-fas­cismo cresceu a von­tade e a cer­teza, não só nos ho­mens e mu­lheres que vi­veram e com­ba­teram nesta guerra mas em todos os amantes da paz e da li­ber­dade, de que ja­mais po­de­riam deixar que tal bar­bárie se re­pe­tisse.

Desse ím­peto e von­tade, e do mo­mento que se vivia por todo o mundo, nasceu o texto da Carta das Na­ções Unidas, as­si­nada por 51 países a 26 de Junho de 1945. Há 70 anos 51 na­ções com­pro­me­teram-se com o ca­minho da re­so­lução pa­cí­fica de con­flitos, da de­fesa da paz, do res­peito pela so­be­rania e igual­dade entre es­tados (in­de­pen­den­te­mente da sua di­mensão), da au­to­de­ter­mi­nação dos povos e do es­tí­mulo ao pro­gresso so­cial. As grandes po­tên­cias im­pe­ri­a­listas que foram for­çadas a as­siná-la graças a uma con­jun­tura in­ter­na­ci­onal que lhes era des­fa­vo­rável, não tar­daram em des­res­peitar essa Carta.

Cria-se a NATO em 1949 sob a es­trita al­çada do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, mo­vido pela von­tade de im­pedir qual­quer trans­for­mação de ca­rácter pro­gres­sista, di­vidir pro­fun­da­mente a Eu­ropa e com­bater a União So­vié­tica e res­tantes países so­ci­a­listas do Leste Eu­ropeu. In­ten­si­fica-se a cor­rida ao ar­ma­mento,de­sen­ca­deiam-se as guerras contra os povos da Co­reia e do Vi­et­name, exerce-se uma brutal re­pressão sobre os povos em luta pela sua li­ber­tação do co­lo­ni­a­lismo.

Não obs­tante os es­forços do im­pe­ri­a­lismo, os avanços pro­gres­sistas na Eu­ropa e as forças li­ber­ta­doras na Ásia e em África não foram tra­vados. Na Eu­ropa, re­a­lizam-se re­vo­lu­ções po­pu­lares de­mo­crá­ticas que no seu pro­cesso de de­sen­vol­vi­mento se trans­for­maram em re­vo­lu­ções so­ci­a­listas, como na Bul­gária, Che­cos­lo­vá­quia, Hun­gria, Ju­gos­lávia, Po­lónia, Ro­ménia e na Ale­manha de Leste, apesar da di­visão e in­ge­rência im­posta pelo im­pe­ri­a­lismo, o povo alemão lança-se na edi­fi­cação de uma nova so­ci­e­dade. Na Ásia a luta re­vo­lu­ci­o­nária de li­ber­tação na­ci­onal e so­cial leva a edi­fi­cação do so­ci­a­lismo na China, na Co­reia e no Vi­et­name. Apro­funda-se a crise no sis­tema co­lo­nial do im­pe­ri­a­lismo, as lutas de li­ber­tação na­ci­onal levam à con­quista da in­de­pen­dência dos povos da Índia, da In­do­nésia, da Bir­mânia, da Síria, do Lí­bano e de uma série de ou­tros povos. Alastra-se por toda a África e Ásia o ím­peto da eman­ci­pação so­cial e na­ci­onal le­vando à cri­ação de fortes mo­vi­mentos de li­ber­tação que mais tarde al­can­çaram a in­de­pen­dência.

Mas o de­sa­pa­re­ci­mento da União So­vié­tica e do campo so­ci­a­lista na Eu­ropa re­pre­sentou um novo fô­lego ao im­pe­ri­a­lismo, para levar a cabo o seu ob­jec­tivo maior de travar e fazer re­tro­ceder os avanços pro­gres­sistas dos tra­ba­lha­dores e dos povos, e uma maior ins­ta­bi­li­dade e in­se­gu­rança na si­tu­ação in­ter­na­ci­onal. Re­força-se a NATO, su­bal­ter­niza-se e ins­tru­men­ta­liza-se a Or­ga­ni­zação das Na­ções Unidas e a guerra volta ao seio da Eu­ropa. Da dita «ameaça co­mu­nista» à dita «de­fesa da de­mo­cracia», da de­no­mi­nada «in­ter­venção hu­ma­ni­tária» à dita «luta ao ter­ro­rismo», é ex­tenso o rol de pre­textos que ao longo do tempo se su­ce­deram para jus­ti­ficar o papel e acção be­li­cistas dos EUA e da NATO e as guerras que pro­li­feram desde os anos 90.

Agres­si­vi­dade cres­cente do im­pe­ri­a­lismo

70 anos vol­vidos do fim da Se­gunda Guerra Mun­dial, a par da ofen­siva ex­plo­ra­dora do grande ca­pital, de novo o im­pe­ri­a­lismo in­ten­si­fica o mi­li­ta­rismo, a cor­rida ao ar­ma­mento e as guerras de agressão e ocu­pação, com que pro­curam fazer face à crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo, que se agu­diza nos EUA, na UE e no Japão, seus prin­ci­pais cen­tros.

O mundo está mais pe­ri­goso e ins­tável. Os ob­jec­tivos de de­ses­ta­bi­li­zação e de des­truição de países, para pôr a mão nas suas ri­quezas, como no Afe­ga­nistão, na Líbia, no Iraque, na Síria, no Iémen e toda a de­ses­ta­bi­li­zação do Médio Ori­ente, agora a pre­texto do com­bate ao «es­tado is­lâ­mico»; a in­ge­rência do im­pe­ri­a­lismo na Amé­rica La­tina, pro­cu­rando pôr termo aos pro­cessos de trans­for­mação so­cial pro­gres­sistas na Ve­ne­zuela, Bo­lívia, Equador, mas também nou­tros países, como no Brasil; o res­sur­gi­mento do fas­cismo na Eu­ropa apoiado pelos EUA e UE no caso do golpe de Fe­ve­reiro de 2014 na Ucrânia, mos­trando a sua face mais negra com a vi­o­lência e a guerra; a tensão e con­fronto cres­cente contra a Fe­de­ração Russa; a in­ge­rência na po­lí­tica in­terna de países como a Grécia que visam impor aos povos a con­ti­nu­ação da ex­plo­ração, do em­po­bre­ci­mento e da sub­missão; a tensão emi­nente no Pa­cí­fico; a cor­rida aos ar­ma­mentos e da ins­ta­lação de novos sis­temas de mís­seis dos EUA; a pro­li­fe­ração das bases mi­li­tares es­tran­geiras em pontos ge­o­es­tra­té­gicos – são ex­pressão da cres­cente agres­si­vi­dade do im­pe­ri­a­lismo.

Muitos são os exem­plos e os si­nais de que o im­pe­ri­a­lismo se pre­para para qual­quer cir­cuns­tância ou pro­cesso que ameace pôr fim à ordem he­ge­mó­nica di­tada pelo im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano e que as con­tra­di­ções do ca­pi­ta­lismo são muitas e pe­ri­gosas para a vida da Hu­ma­ni­dade. Veja-se como, no ano em que se as­si­nala os 70 anos do lan­ça­mento das bombas sobre Hi­ro­xima e Na­ga­saki e o fim da Se­gunda Guerra Mun­dial, o Japão, país que re­jeitou a uti­li­zação das suas forças mi­li­tares fora das suas fron­teiras, após a guerra, por força dos hor­rores vi­vidos pelo seu povo, al­terou re­cen­te­mente a sua Cons­ti­tuição de forma a que possa pôr o seu po­derio mi­litar ao ser­viço do im­pe­ri­a­lismo e assim in­tervir com tropas no ex­te­rior.

Em suma, os EUA com os seus ali­ados, cri­ando e pro­mo­vendo a ge­ne­ra­li­zação de focos de tensão e de de­ses­ta­bi­li­zação em pra­ti­ca­mente todas as re­giões do mundo, fo­mentam a agressão e lançam a guerra contra todos aqueles que, de­fen­dendo a sua so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­onal, re­sistem às pre­ten­sões de im­po­sição do seu do­mínio mun­dial.

Luta pela paz con­tinua ac­tual

A luta pela paz e o mo­vi­mento da paz surgiu com grande fô­lego no final da Se­gunda Guerra Mun­dial. Re­sis­tentes an­ti­fas­cistas cedo er­gueram-se na de­núncia e com­bate à vi­o­lência da guerra e aos seus hor­rores. Com a vi­tória sobre o nazi-fas­cismo e os avanços li­ber­ta­dores, os povos le­van­taram a ban­deira da paz como cons­tru­tora do pro­gresso e eman­ci­pação so­cial e na­ci­onal.

Da von­tade e da ne­ces­si­dade, tendo em conta o pe­rigo de que a his­tória se re­pe­tisse, nasceu de um amplo con­junto de es­tru­turas e in­di­vi­du­a­li­dades, o mo­vi­mento mun­dial da paz, que teve ex­pressão em países de todos os con­ti­nentes, cri­ando-se uma vasta frente de luta pela Paz, o de­sar­ma­mento e a so­be­rania, contra a guerra, o fas­cismo, o co­lo­ni­a­lismo e qual­quer outra forma de opressão dos povos. O Con­selho Mun­dial da Paz, criado entre 1949 e 1950, lança o Apelo de Es­to­colmo em Março de 1950, que re­co­lheu cen­tenas de mi­lhões de as­si­na­turas contra as armas nu­cle­ares em todo mundo, in­cluindo em Por­tugal. A de­ter­mi­nação dos povos de todo mundo foi fun­da­mental para que o horror de Hi­ro­xima e Na­ga­saki não se re­pe­tisse. A ex­pressão da so­li­da­ri­e­dade e co­o­pe­ração entre os povos alargou-se in­ten­sa­mente. As­sistiu-se em todo o lado a grandes mo­vi­men­ta­ções contra as guerras na Co­reia e no Vi­et­name, contra a ocu­pação da Pa­les­tina, contra o re­gime do apartheid na África do Sul, entre ou­tros exem­plos.

As­si­nale-se que Por­tugal e o povo por­tu­guês nunca foram ex­cepção. Mesmo sob o jugo da di­ta­dura fas­cista, em vá­rias ac­ções le­gais e se­mi­clan­des­tinas, os par­ti­dá­rios da paz re­sis­tiam e de­nun­ci­avam as ob­jec­tivos e as con­sequên­cias da guerra, prin­ci­pal­mente no caso da guerra co­lo­nial. Veio a Re­vo­lução de Abril e com ela a mais pro­gres­sista Cons­ti­tuição na Eu­ropa ca­pi­ta­lista, que no seu ar­tigo 7.º con­sagra os ideais do de­sar­ma­mento, da paz, da ami­zade e co­o­pe­ração entre os povos.

Hoje, em tempos em que o mundo segue um curso ten­den­ci­al­mente menos de­mo­crá­tico e mais san­grento, à custa do apro­fun­da­mento das trá­gicas con­sequên­cias da ofen­siva do im­pe­ri­a­lismo, a luta pela paz con­tinua mais ne­ces­sária e ac­tual que nunca – sendo ur­gente o re­forço do mo­vi­mento da paz e da so­li­da­ri­e­dade para com os povos ví­timas da agressão im­pe­ri­a­lista.

Cer­ta­mente, como no pas­sado, cabe aos co­mu­nistas con­tri­buir para uni­dade e mo­bi­li­zação de todos os an­ti­fas­cistas e de­mo­cratas, de todos os amantes da paz, para luta contra a ameaça do fas­cismo, contra o mi­li­ta­rismo, contra a in­ge­rência e a guerra im­pe­ri­a­listas e pela paz, pelo de­sar­ma­mento – em par­ti­cular, pelo de­sar­ma­mento nu­clear –, pela re­so­lução pa­cí­fica dos con­flitos, pelo fim das bases mi­li­tares es­tran­geiras, pela dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­tares, pelo res­peito da so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­onal, pelo pro­gresso so­cial e a ami­zade e a co­o­pe­ração entre os povos.

Com a cons­ci­ência de que a luta pela paz e contra o im­pe­ri­a­lismo é in­dis­so­ciável da luta pela jus­tiça so­cial, pelo pro­gresso e eman­ci­pação na­ci­onal, pelo fim da ex­plo­ração do homem pelo homem, pelo So­ci­a­lismo.