Jamil Safieh, do PC do Líbano

«Há comunistas armados a defender as fronteiras do país»

Gustavo Carneiro

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A si­tu­ação ac­tual no Lí­bano, como em todo o Médio Ori­ente, é «com­plexa, sen­sível e di­fícil». Quem assim a ca­rac­te­riza é Jamil Sa­fieh, membro do Co­mité Cen­tral e da Secção In­ter­na­ci­onal do Par­tido Co­mu­nista Li­banês, para quem a «tra­di­ci­onal» in­ge­rência do im­pe­ri­a­lismo é a grande res­pon­sável pelo caos que, ga­rante, está ins­ta­lado.

Para além da cor­rupção que grassa no apa­relho de Es­tado e do apoio por parte de al­guns go­ver­nantes ao cha­mado «Es­tado Is­lâ­mico» (que se tem vindo a in­tro­duzir no Lí­bano), a grande vaga de re­fu­gi­ados sí­rios que chegou ao país – um mi­lhão e meio numa po­pu­lação de três mi­lhões, a que acrescem os 700 mil re­fu­gi­ados pa­les­ti­ni­anos – deixou clara a in­ca­pa­ci­dade do go­verno em atender a im­por­tantes ne­ces­si­dades so­ciais do povo. Em muitas re­giões do Lí­bano não há abas­te­ci­mento de energia eléc­trica e de água, o lixo não é re­co­lhido e os cui­dados de saúde não são pres­tados.

Em torno da exi­gência de sa­tis­fação destas ne­ces­si­dades, de­sen­volveu-se nas úl­timas se­manas um «po­de­roso mo­vi­mento de massas», tra­du­zido em «ma­ni­fes­ta­ções diá­rias» contra o go­verno; o Par­tido Co­mu­nista Li­banês e a sua or­ga­ni­zação de ju­ven­tude estão ao lado do povo nestes pro­testos, va­lo­riza Jamil Sa­fieh.

Nos dias que an­te­ce­deram a con­versa com o Avante!, conta, a si­tu­ação evo­luiu. O go­verno, que não dá si­nais de pre­tender dar res­posta às rei­vin­di­ca­ções po­pu­lares, subiu a pa­rada, ao in­fil­trar pro­vo­ca­dores nas ma­ni­fes­ta­ções para de­turpar o seu sen­tido e le­gi­timar a re­pressão po­li­cial. Mas a luta vai con­ti­nuar, ga­rante.

In­ge­rência e agressão

A in­ge­rência do im­pe­ri­a­lismo no Lí­bano é an­tiga, mas atingiu um ponto par­ti­cu­lar­mente ex­tremo em 2006, aquando da ten­ta­tiva de in­vasão is­ra­e­lita do país, tra­vada então pela re­sis­tência pa­trió­tica li­ba­nesa (que o PCL in­tegra) e pelo Hez­bolá. Is­rael con­tinua a ser a prin­cipal ameaça à so­be­rania na­ci­onal, ga­rante Jamil Sa­fieh.

Mais re­cen­te­mente, a guerra contra a Síria veio de­ses­ta­bi­lizar ainda mais a re­gião. Para os co­mu­nistas li­ba­neses, o der­rube do go­verno da Síria é um ob­jec­tivo cen­tral da es­tra­tégia do im­pe­ri­a­lismo no Médio Ori­ente. Por um lado, porque a Re­pú­blica Árabe Síria é aliada do Irão e do Hez­bolá, dois dos prin­ci­pais obs­tá­culos ao pre­do­mínio dos EUA e de Is­rael na re­gião.

Mas a ofen­siva contra a Síria re­pre­senta também um «ataque in­di­recto» à Rússia, que não só tem bases na Síria como tem com esse país só­lidas re­la­ções co­mer­ciais, po­lí­ticas e mi­li­tares. Forçar a Rússia a re­cuar é outro dos ob­jec­tivos do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano.

Para a es­ca­lada da in­ge­rência na Síria, no Lí­bano e um pouco por todo o Médio Ori­ente con­corre ainda outro factor, re­vela Sa­fieh: a in­tenção do im­pe­ri­a­lismo de con­trolar as im­por­tantes ja­zidas de gás re­cen­te­mente des­co­bertas na re­gião. Os EUA es­ta­be­le­ceram já com o Qatar um plano para trans­porte deste gás para a Eu­ropa, através da Tur­quia, do Lí­bano e da Síria.

Con­cluindo, o di­ri­gente do PCL afirma que os EUA pre­tendem «au­mentar a sua in­fluência na re­gião», através da sal­va­guarda dos seus ac­tuais ali­ados (Is­rael, Arábia Sau­dita e res­tantes mo­nar­quias do Golfo) e do alar­ga­mento dos seus apoios, através da subs­ti­tuição de go­vernos que lhe são hostis por ou­tros que lhe sejam fa­vo­rá­veis.

Ques­ti­o­nado sobre o papel do de­sig­nado «Es­tado Is­lâ­mico», Jamil Sa­fieh não tem dú­vidas em in­cluí-lo no lote dos ali­ados do im­pe­ri­a­lismo. E ga­rante que, ao con­trário do que é apre­goado, os EUA não bom­bar­deiam po­si­ções deste grupo, pelo con­trário, fa­vo­recem o seu avanço no ter­reno.

Re­sis­tência e luta

Pe­rante uma si­tu­ação tão com­plexa, os co­mu­nistas têm bem de­fi­nidos os seus ob­jec­tivos: um pri­meiro e mais ime­diato é, desde logo, o apoio à luta das massas po­pu­lares pela sa­tis­fação das suas ne­ces­si­dades mais ele­men­tares.

Um outro pro­pó­sito, mais de fundo, é a al­te­ração da lei elei­toral no país, que faz com que o PCL, que se es­tima que tenha um apoio entre os nove e os 12 por cento, não tenha qual­quer de­pu­tado eleito. No Lí­bano, a po­pu­lação é di­vi­dida se­gundo os seus credos re­li­gi­osos – e há de­zenas – e cada co­mu­ni­dade vota em par­tidos pró­prios e tem à par­tida um nú­mero de lu­gares para ocupar (no par­la­mento como na ad­mi­nis­tração pú­blica). O Par­tido Co­mu­nista Li­banês de­fende um sis­tema laico de re­pre­sen­tação pro­por­ci­onal.

Outro ob­jec­tivo es­sen­cial para os co­mu­nistas é a sal­va­guarda da so­be­rania na­ci­onal contra a agressão ex­terna, par­ti­cu­lar­mente por parte do cha­mado «Es­tado Is­lâ­mico» e de Is­rael. Neste mo­mento, re­vela, «existem mem­bros do Par­tido Co­mu­nista ar­mados a lutar na fron­teira com a Síria para travar a in­vasão do país».

 



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