Jihadistas imperiais

Jorge Cadima

O jiha­dismo im­pe­ri­a­lista alastra, qual ca­va­leiro do Apo­ca­lipse

O pe­rigo dum con­flito ca­tas­tró­fico é hoje bem real. Atente-se nas de­cla­ra­ções de al­guns dos prin­ci­pais res­pon­sá­veis da po­lí­tica ex­terna da maior po­tência im­pe­ri­a­lista. Zbig­niew Br­ze­zinski, ex-Con­se­lheiro de Se­gu­rança Na­ci­onal dos EUA pu­blicou no Fi­nan­cial Times (4.10.15) um ar­tigo que co­meça assim: «Todos sa­bemos como co­meçou a pri­meira guerra mun­dial. […] Há ainda tempo para evitar uma do­lo­rosa re­pe­tição, eclo­dindo desta vez no Médio Ori­ente e mais es­pe­ci­fi­ca­mente na Síria». Porquê esta re­fe­rência a um con­flito entre as duas mai­ores po­tên­cias nu­cle­ares do pla­neta? Es­creve Br­ze­zinski: «Mos­covo es­co­lheu in­tervir mi­li­tar­mente [na Síria], mas sem co­o­pe­ração po­lí­tica ou tác­tica com os EUA – a prin­cipal po­tência ex­terna em­pe­nhada em es­forços di­rectos, se bem que não muito efi­cazes, para der­rubar [o pre­si­dente sírio] Assad. Ao fazê-lo, lançou ale­ga­da­mente uma série de ata­ques contra ele­mentos sí­rios que são pa­tro­ci­nados, trei­nados e equi­pados pelos ame­ri­canos, pro­vo­cando pre­juízos e cau­sando baixas». Br­ze­zinski con­fessa numa única frase que os EUA são a prin­cipal po­tência por de­trás da guerra na Síria (e da vaga de re­fu­gi­ados que pro­vocou); que estão a pa­tro­cinar, treinar e armar jiha­distas; e que são os EUA, e não o go­verno sírio, quem deve mandar na­quele país. Adi­anta Br­ze­zinski: «Os EUA têm apenas uma opção, se de­sejam pro­teger os seus in­te­resses mais am­plos na re­gião: exigir a Mos­covo que pare e de­sista de ac­ções mi­li­tares que afectam di­rec­ta­mente os agentes [“as­sets”] ame­ri­canos. [...] qual­quer re­pe­tição do que acaba de se passar deve levar a uma rá­pida re­ta­li­ação pelos EUA». Em curtas pa­la­vras: não se atrevam a tocar nos nossos jiha­distas, nem a in­ter­ferir nas nossas ope­ra­ções de agressão e mu­dança de re­gime. Se­guindo as peu­gadas de Al Ca­pone, ad­verte: «A pre­sença naval e aérea russa na Síria é vul­ne­rável, está iso­lada ge­o­gra­fi­ca­mente do seu país. Pode ser “de­sar­mada” se in­sis­tirem em pro­vocar os EUA». A ameaça foi re­pe­tida pelo mi­nistro da De­fesa dos EUA (país que também está a bom­bar­dear a Síria, mas – ao con­trário dos russos – à re­velia do go­verno sírio). Ashton Carter, fa­lando em con­fe­rência de im­prensa após a reu­nião de NATO em Bru­xelas (8.10.15), disse: «[os russos] dis­pa­raram mís­seis cru­zeiro dum navio no Mar Cáspio sem aviso prévio. Apro­xi­maram-se a poucos qui­ló­me­tros [!] dum dos nossos aviões não tri­pu­lados. Ini­ci­aram uma ofen­siva con­junta ter­restre com o re­gime sírio, es­ti­lha­çando a fa­chada de que es­ta­riam lá para com­bater o ISIS [?!?]. Isto terá con­sequên­cias para a pró­pria Rússia, que re­ceia jus­ta­mente um ataque contra a Rússia. E também es­pero que nos pró­ximos dias os russos co­mecem a so­frer baixas na Síria». Para bom en­ten­dedor...

A ar­ro­gância im­pe­ri­a­lista não tem li­mites. Ashton Carter con­fessou (Washington Post, 20.10.02) que, en­quanto vice-mi­nistro da De­fesa de Clinton, passou «boa parte do pri­meiro se­mestre de 1994» a pre­parar um ataque mi­litar a uma cen­tral nu­clear norte-co­reana. E Br­ze­zinski é pai po­lí­tico do jiha­dismo global, como con­fessou na sua en­tre­vista ao Nouvel Ob­ser­va­teur (15.1.98) quando, ufano, se van­glo­riou: «Se­gundo a versão ofi­cial da his­tória [!], a ajuda da CIA aos mu­jahe­dines co­meçou em 1980, ou seja, após o exér­cito so­vié­tico ter in­va­dido o Afe­ga­nistão em 24 de De­zembro de 1979. Mas a ver­dade, man­tida se­creta até hoje, é bem di­fe­rente: foi na re­a­li­dade a 3 de Julho de 1979 que o pre­si­dente Carter as­sinou a pri­meira di­rec­tiva sobre a ajuda clan­des­tina aos opo­si­tores do re­gime pró-so­vié­tico de Kabul». Trinta e seis anos de­pois de criar o monstro fun­da­men­ta­lista, e 24 anos após o fim da URSS, os EUA con­ti­nuam a matar no Afe­ga­nistão (acabam de bom­bar­dear um hos­pital dos Mé­dicos Sem Fron­teira, in­ci­ne­rando o res­pec­tivo pes­soal mé­dico). E o jiha­dismo im­pe­ri­a­lista alastra, qual ca­va­leiro do Apo­ca­lipse, pelo Médio Ori­ente fora. E a fúria dos Pa­dri­nhos ameaça quem se atrever a cruzar-se no seu ca­minho.




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