«Tempestade perfeita»

Ângelo Alves

É o caso da pos­si­bi­li­dade de uma nova in­ter­venção mi­litar na Líbia

O Mundo en­trou em 2016 com uma si­tu­ação que di­fi­cil­mente po­deria ser mais ins­tável, pe­ri­gosa e com­plexa. As no­tí­cias do ul­timo mês e meio não deixam margem para dú­vidas. O Mundo está a ser fus­ti­gado por uma si­tu­ação de crise mul­ti­fa­ce­tada, de guerra e de res­sur­gi­mento do fas­cismo. A vi­o­lência e ins­ta­bi­li­dade com que o sis­tema está a evo­luir no con­texto de um ex­tre­ma­mente com­plexo pro­cesso de re­ar­ru­mação de forças re­mete-nos para a imagem de uma «tem­pes­tade per­feita», com tudo o que tem de mag­ni­tude e poder des­truidor.

No plano eco­nó­mico a ins­ta­bi­li­dade e as perdas em bolsa da úl­tima se­mana, de Shangai a Nova Iorque, são um sinal de que algo está a correr muito mal. A des­cida his­tó­rica do preço do barril de pe­tróleo abaixo dos 30 dó­lares e a crise dos preços das ma­té­rias-primas, são in­di­ca­dores que apontam para a fe­rida real, ou seja a eco­nomia pro­du­tiva e a con­tracção do con­sumo. A crise afecta agora as eco­no­mias emer­gentes e de entre elas gi­gantes como a China, a Índia e o Brasil. Nos EUA são já muitos aqueles que de­ci­fram os dados da eco­nomia norte-ame­ri­cana, apa­ren­te­mente po­si­tivos, aler­tando que estes es­condem uma real re­cessão na eco­nomia pro­du­tiva e um gi­gante in­flar das bo­lhas de cré­dito. Na Eu­ropa a de­flação con­tinua a marcar as pers­pec­tivas de uma eco­nomia es­tag­nada e mer­gu­lhada em es­cân­dalos. O Mundo está mais pobre e mais in­justo como o re­velam os re­centes es­tudos que in­dicam que os 62 mul­ti­mi­li­o­ná­rios mais ricos do Mundo detêm tanta ri­queza como me­tade da po­pu­lação mun­dial.

É essa a razão de fundo da ins­ta­bi­li­dade, da guerra e da in­se­gu­rança. Após os he­di­ondos ata­ques ter­ro­ristas de Paris as­sis­timos a uma su­cessão de epi­só­dios que apontam no sen­tido de uma «glo­ba­li­zação» da es­ca­lada de vi­o­lência. Bur­kina Fasso, Ja­karta, Is­tambul são os úl­timos três exem­plos do terror que se es­palha por quase todos os con­ti­nentes. Como sempre na his­tória, o ter­ro­rismo não surge por «ge­ração es­pon­tânea», está as­so­ciado à po­lí­tica de guerra, que por sua vez está li­gada à ex­plo­ração e à opressão.

As no­tí­cias de que cri­anças re­fu­gi­adas podem não re­sistir aos ri­gores do In­verno nos Balcãs ou França dão uma ideia clara da bar­bárie. Uma bar­bárie não só to­le­rada mas ali­men­tada por aqueles que en­chem a boca de de­mo­cracia mas que fe­cham os olhos às exe­cu­ções na Arábia Sau­dita ou à mas­siva per­se­guição po­lí­tica na Tur­quia de ac­ti­vistas e aca­dé­micos que lutam pela de­mo­cracia e de­nun­ciam a po­lí­tica de guerra de Er­do­gran que está na origem dos aten­tados de An­kara e Is­tambul. Trata-se de fas­cismo, o mesmo fas­cismo que na Ucrânia, na Po­lónia ou na Hun­gria faz ca­minho na re­pressão das li­ber­dades, na per­se­guição aos co­mu­nistas e no ódio aos es­tran­geiros. Fas­cismo que é apoiado pela NATO e pela «de­mo­crá­tica» União Eu­ro­peia que brindam os seus «ali­ados» turcos e ucra­ni­anos com «pa­cotes de ajuda» e se lançam, com eles, de ca­beça, na ló­gica do con­fronto.

Quando a si­tu­ação caó­tica em que está o Mundo acon­se­lhava a re­tirar li­ções do pas­sado, o único ca­minho que o poder im­pe­ri­a­lista con­segue ver é o da guerra. Não pára e pre­para-se para co­meter os mesmos crimes, sob os mesmos pre­textos, com os mesmos mé­todos. É o caso da pos­si­bi­li­dade de uma nova in­ter­venção mi­litar dos EUA, NATO e UE na Líbia, para onde já correm de­zenas de mi­lhares de ma­rines, e meios mi­li­tares são con­cen­trados nas bases ita­li­anas da NATO e na base bri­tâ­nica em Chipre. Uma guerra que mais uma vez será apre­sen­tada para «repor o con­trolo» a pe­dido «do le­gí­timo go­verno de uni­dade na­ci­onal» e para «com­bater o ter­ro­rismo». Mas que na re­a­li­dade tem um único e só ob­jec­tivo: con­trolar as infra-es­tru­turas do pe­tróleo líbio, que caiu nas mãos dos ex-ali­ados dos EUA em Tri­poli, agora ape­li­dados de Daesh.

A «tem­pes­tade per­feita» está a tomar forma… mas con­tra­ri­a­mente à tem­pes­tade real esta pode ser tra­vada por uma muito mais po­de­rosa força da na­tu­reza: a luta dos povos, pela paz, o pro­gresso e o so­ci­a­lismo.




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