Problemático?

Anabela Fino
Um re­la­tório do banco alemão Com­merz­bank di­vul­gado esta se­mana afirma que Por­tugal voltou a ser a «nova velha cri­ança pro­ble­má­tica» da Eu­ropa e ad­verte que a si­tu­ação por­tu­guesa pode evo­luir de forma muito se­me­lhante ao ocor­rido na Grécia, no ano pas­sado, obri­gando o País a pedir um novo res­gate. Mo­tivo? A po­lí­tica que está a ser se­guida pelo Go­verno do PS: «o novo Go­verno em Por­tugal está a passar das pa­la­vras aos actos e já está em curso uma mu­dança fun­da­mental da po­lí­tica eco­nó­mica», la­menta o banco na nota en­viada esta terça-feira aos seus cli­entes.

Com a pes­por­rência que ca­rac­te­riza as ins­ti­tui­ções do ca­pital, o Com­merz­bank ar­roga-se o di­reito de se in­gerir e ad­mo­estar um país so­be­rano, vindo a pú­blico dizer que o «bom aluno» – Por­tugal es­ma­gado pelas po­lí­ticas do go­verno PSD/​CDS –, se trans­formou numa «cri­ança pro­ble­má­tica» ao mudar de go­verno e ao en­cetar al­gumas mu­danças de po­lí­tica.

Com a ar­ro­gância dos que estão ha­bi­tu­ados a impor a sua von­tade, o Com­merz­bank vem dizer que as «cri­anças», neste caso Por­tugal, não podem brincar com fós­foros, no caso ver­tente com essa coisa cha­mada de­mo­cracia e o di­reito a de­cidir do pró­prio fu­turo. Isso é as­sunto para «adultos».

De notar que o que in­co­moda o Com­merz­bank não são as pro­messas elei­to­rais e o en­ten­di­mento a que che­garam PS, PCP, BE e Verdes, mas sim o in­só­lito facto de o Go­verno estar a «passar das pa­la­vras aos actos». Onde é que isto se viu?

As con­sequên­cias, ob­vi­a­mente, só podem ser ca­tas­tró­ficas e o banco alemão enu­mera o ca­minho do des­ca­labro, ci­tando, entre ou­tras, as con­de­ná­veis me­didas: re­gresso dos quatro fe­ri­ados (sem se­quer os tornar mó­veis, ou seja, en­cos­tados a fins-de-se­mana); a in­tenção de repor os 25 dias de fé­rias por ano para os fun­ci­o­ná­rios com ele­vada as­si­dui­dade; re­versão dos cortes sa­la­riais na Função Pú­blica; e, horror dos hor­rores, a «re­versão da li­be­ra­li­zação do mer­cado de tra­balho, com o for­ta­le­ci­mento dos con­tratos co­le­tivos de tra­balho». De su­bli­nhar que a «al­te­ração das re­gras do mer­cado de tra­balho e os custos mais ele­vados para as em­presas» é con­si­de­rada «ainda mais grave» do que as ques­tões das contas pú­blicas.

Afir­mando que «todos os pro­gressos ob­tidos nos úl­timos anos, com uma re­dução dos custos do tra­balho que é im­por­tante para a atracção de in­ves­ti­mento es­tran­geiro, estão em risco», o Com­merz­bank vai ao cerne da questão e re­vela o mo­tivo da sua des­pu­do­rada in­ge­rência. Olhando para o fu­turo, que o mesmo é dizer se o Go­verno do PS vai ou não cum­prir o pro­grama com que se com­pro­meteu, o banco re­alça a im­por­tância da eleição do Pre­si­dente da Re­pú­blica. «Todas as son­da­gens apontam para a vi­tória do can­di­dato apoiado pelos par­tidos que com­pu­nham o an­te­rior go­verno, Mar­celo Re­belo de Sousa, que de­verá ter uma vi­tória clara», ex­plica o banco aos cli­entes, as­si­na­lando que Mar­celo «de­verá evitar um con­fronto di­recto com a ac­tual co­li­gação de es­querda» (??!!), mas que «po­derá equa­ci­onar tal de­cisão se houver con­flitos per­sis­tentes». Para quem ainda tenha dú­vidas, aqui está por que é pre­ciso der­rotar o can­di­dato da di­reita. Sem pro­blemas e muita con­fi­ança.

 



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