43 anos enterrado vivo

António Santos
«Eu vi ho­mens duros que se trans­for­mavam em bebés... en­ro­lados nas suas camas, em po­sição fetal, e nunca mais di­ziam uma pa­lavra; al­guns não con­se­guiam parar de falar, mas di­ziam coisas sem sen­tido; ou­tros gri­tavam o dia in­teiro; houve muitos que se con­se­guiram sui­cidar; mas eles não nos querem mortos, é por isso que nos en­terram vivos». É assim que Al­bert Wo­odfox des­creve os 43 anos que passou em re­gime de so­li­tária, numa cela de 2,7 me­tros por 1,8.
Li­ber­tado este do­mingo após 44 anos preso por ra­zões po­lí­ticas, Al­bert Wo­odfox ex­plicou-me, numa en­tre­vista por via elec­tró­nica, que a pri­meira coisa que fez quando saiu da in­fame prisão de An­gola, na Lui­siana, foi deixar flores na campa da mãe, que morreu em 1990. «Quando ela morreu, não me dei­xaram ir ao fu­neral. Mas eu pro­meti que ia». E foi.
Al­bert Wo­odfox, de 69 anos, era o úl­timo dos presos po­lí­ticos co­nhe­cidos como «os três de An­gola» ainda atrás das grades. A Pe­ni­ten­ciária Es­ta­dual da Lui­siana, também co­nhe­cida como An­gola, deve o nome à an­tiga plan­tação exis­tente nesse lugar, onde mi­lhares de es­cravos an­go­lanos eram for­çados a tra­ba­lhar. Du­zentos anos de­pois, a prin­cipal di­fe­rença é que a plan­tação deixou de pro­duzir al­godão e passou a pro­duzir cana-de-açúcar. Os 6500 presos que aí tra­ba­lham, quase todos ne­gros, não são, porém, menos es­cravos.
«A prisão é uma in­dús­tria», ex­plica Al­bert Wo­odfox. «De­pois da Guerra Civil a es­cra­va­tura acabou, os ne­gros foram con­quis­tando mais di­reitos e o nosso tra­balho foi fi­cando mais caro. Em res­posta, o sis­tema criou a in­dús­tria pri­si­onal para em­ba­ra­tecer a mão-de-obra negra, para de­su­ma­niza-la. É por isso que neste país um em cada três ne­gros já es­teve preso. Não se trata só do tra­balho es­cravo dentro das pri­sões pri­vadas… vai para além disso: um negro que saia da prisão está ca­rim­bado para o resto da vida como mão-de-obra ba­rata; quando a po­lícia manda parar um ado­les­cente negro a ca­minho da es­cola, a men­sagem é «não le­vantes muito a cara, fica no teu lugar.»

«O meu crime foi ser mi­li­tante»

Acu­sado de ter as­sas­si­nado Brent Miller, um guarda pri­si­onal, em 1972, Al­bert Wo­odfox foi con­de­nado a 42 anos de prisão num jul­ga­mento-farsa sem provas fí­sicas e mar­cado pelo «de­sa­pa­re­ci­mento» de ele­mentos do pro­cesso. Há muito que a pró­pria fa­mília de Brent Miller exigia a li­ber­tação de Wo­odfox e, no Verão pas­sado, Te­enie Ro­gers, a viúva de Miller, avisou que «está na hora do Es­tado parar de fingir que há qual­quer prova de que Al­bert Wo­odfox matou o Brent».
«Eu estou ino­cente desse crime», diz Al­bert Wo­odfox, «mas não foi por esse crime que passei 43 anos em so­li­tária. O meu crime foi ser mi­li­tante do Par­tido Pan­tera Negra e lutar contra a se­gre­gação das pri­sões».
Recém-saído de uma tor­tura di­fícil de ima­ginar, Al­bert Wo­odfox pro­mete de­dicar-se agora a com­bater o uso dis­se­mi­nado da so­li­tária nas pri­sões es­tado-uni­denses. «É uma vi­o­lação fla­grante dos Di­reitos Hu­manos. Fe­char um homem so­zinho numa cela du­rante dé­cadas é tor­tura e é bár­baro. A so­li­tária chama-se so­li­tária porque nos isola. É assim que nos que­bram: iso­lados não somos hu­manos. Neste re­gime, só saímos da cela du­rante uma hora por dia. Às vezes, sentia-me es­ma­gado. Não con­se­guia res­pirar. Suava em bica... Nos pi­ores mo­mentos, sentia as pa­redes a apertar-me a cara. Foi assim du­rante quatro dé­cadas. Mas como ima­ginar sub­meter uma cri­ança de 14 anos a esta tor­tura? Isso acon­tece muito nos EUA! Basta que um tri­bunal de­cida julgar um ado­les­cente como um adulto. Que tipo de re­gime faz uma coisa destas?»



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