Comentário

Quem semeia ventos

João Pimenta Lopes

No pas­sado dia 22 de Março, Bru­xelas acordou ao som de ex­plo­sões no átrio de par­tidas do Ae­ro­porto In­ter­na­ci­onal de Za­ventem e na es­tação de Metro de Ma­el­beek. As he­di­ondas ac­ções, re­cla­madas a meio da tarde desse dia pelo au­to­pro­cla­mado Es­tado Is­lâ­mico, re­sul­taram na morte de pelo menos 35 pes­soas e mais de três cen­tenas de fe­ridos, e trou­xeram de novo, após os aten­tados de No­vembro em Paris, o es­pectro do ter­ro­rismo em solo da União Eu­ro­peia. Mais uma vez as ac­ções desta, como de ou­tras or­ga­ni­za­ções ter­ro­ristas, têm lugar em zonas pú­blicas, tendo como alvos ci­da­dãos co­muns, de forma ale­a­tória.

Os meios de co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nantes ali­mentam agora a má­quina do medo, que sempre se apro­veita destes mo­mentos para pros­se­guir os seus fins e apro­fundar a sua pro­pa­ganda. Ao longo da úl­tima se­mana e meia, tem feito uso à exaustão dos acon­te­ci­mentos da­quele dia e dos de­sen­vol­vi­mentos na Bél­gica e nou­tros países como a França, a Ale­manha ou até Por­tugal. As buscas, as de­ten­ções, as sus­peitas, os casos pa­ra­lelos que podem ou não ter al­guma li­gação, os sacos e mo­chilas sus­peitos, a pos­si­bi­li­dade de novos aten­tados, as grandes ope­ra­ções po­li­ciais trans­mi­tidas em di­recto, as cons­tantes re­fe­rên­cias aos «árabes», ou «mu­çul­manos», en­chem pá­ginas de jor­nais e horas de te­le­jor­nais.

Uma fi­lo­sofia do medo que põe cada ci­dadão a olhar por sobre o ombro, pro­mo­vendo o des­con­forto e a des­con­fi­ança dou­trem, mo­ti­vada por traços cul­tu­rais ou na­ci­o­nais, ca­na­li­zando-o no­me­a­da­mente para os árabes e ou­tras mi­no­rias. Uma fi­lo­sofia que ali­menta a ex­trema-di­reita fas­cista, num en­qua­dra­mento que lhes é per­mis­sivo. Assim se ex­plicam os acon­te­ci­mentos em Bru­xelas no do­mingo, onde as au­to­ri­dades per­mi­tiram que cen­tenas de fas­cistas in­ter­rom­pessem ma­ni­fes­ta­ções pú­blicas de so­li­da­ri­e­dade pelos mortos e de apelo à paz, com agres­sões e cân­ticos ra­cistas.

Das causas do ter­ro­rismo, salvo raras ex­cep­ções, pouco ou nada é dito. Só da ne­ces­si­dade de re­forçar de in­tervir mi­li­tar­mente aqui e ali e de im­ple­mentar as me­didas se­cu­ri­tá­rias, mais ques­ti­o­ná­veis ainda quando as­sentes numa con­cepção ra­cista, xe­nó­foba e an­ti­de­mo­crá­tica que a União Eu­ro­peia vem apro­fun­dando. Ac­ções que ace­le­rarão a cri­ação de um Re­gisto Eu­ropeu de Iden­ti­fi­cação de Pas­sa­geiros (ou seja, a re­colha e ar­qui­va­mento de todas as in­for­ma­ções de vi­a­gens e pes­soais dos pas­sa­geiros aé­reos no es­paço da União Eu­ro­peia), li­mi­ta­ções à livre cir­cu­lação de pes­soas em solo eu­ropeu en­quanto que o ca­pital, a ex­plo­ração e as grandes mul­ti­na­ci­o­nais se con­ti­nuam a «mo­vi­mentar» li­vre­mente. Pro­move-se assim uma gi­gan­tesca base de dados, par­ti­lhada, no­me­a­da­mente com os EUA, de todos os ci­da­dãos eu­ro­peus que atra­vessem fron­teiras, cri­ando perfis de ci­da­dãos, com ex­tensa com­pi­lação de dados pes­soais.

E en­quanto os jor­nais se en­chem das in­ves­ti­ga­ções, passa de fi­ninho o agra­va­mento das con­di­ções dos re­fu­gi­ados que tentam chegar à Eu­ropa e as con­sequên­cias das cri­mi­nosas po­lí­ticas da União Eu­ro­peia. Omite-se as con­di­ções de­gra­dantes e ini­ma­gi­ná­veis em que de­zenas de mi­lhares de ho­mens, mu­lheres e cri­anças se con­cen­tram na fron­teira com a Ma­ce­donia em Ido­meni. Omite-se o en­cer­ra­mento e trans­for­mação dos cen­tros de «aco­lhi­mento» na Grécia em au­tên­ticos campos de con­cen­tração e de­por­tação, onde se cri­mi­na­lizam re­fu­gi­ados e mi­grantes. Omite-se a cri­mi­nosa acção no mar Egeu, onde foi aplau­dida a pre­sença da NATO, com ten­ta­tivas re­gis­tadas de afun­da­mento de em­bar­ca­ções por parte das forças turcas.

Omite-se o papel da Tur­quia, em co­la­bo­ração com o Oci­dente, na vi­o­lenta re­pressão do povo curdo, nos crimes co­me­tidos em Cizre (au­tên­ticos actos de ter­ro­rismo de Es­tado), nos bom­bar­de­a­mentos na Síria, no fi­nan­ci­a­mento e apoio ao Es­tado Is­lâ­mico ou à Jabhat al-Nusra (uma facção da Al-Qaeda na Síria), força que tem igual­mente sido apoiada por Is­rael no com­bate ao Hez­bollah (ali­ados do re­gime sírio a com­bater no ter­reno), no­me­a­da­mente na fron­teira dos montes Golãs, ter­ri­tório que Is­rael ocupa há dé­cadas. Como omissos têm sido os im­punes as­sas­si­natos do exér­cito is­ra­e­lita de cri­anças e ado­les­centes pa­les­ti­ni­anos nos úl­timos dias.

Tão pouco ti­veram a mesma co­ber­tura me­diá­tica os cri­mi­nosos aten­tados ter­ro­ristas ocor­ridos no Iraque no dia 25, vi­ti­mando pelo menos 30 pes­soas e fe­rindo mais de 90, ou no Pa­quistão no dia 27, onde mor­reram mais de 70 pes­soas e mais de 300 pes­soas fi­caram fe­ridas, so­bre­tudo mu­lheres e cri­anças.

A lis­tagem seria in­ter­mi­nável dos grupos e actos ter­ro­ristas, a que o im­pe­ri­a­lismo tem fe­chado os olhos, apoiado, pro­mo­vido, fi­nan­ciado, ali­men­tado, já para não falar dos actos ter­ro­ristas que tão «no­bres» de­mo­cra­cias têm im­posto. Ter­ro­rismo que como o PCP não se tem can­sado de afirmar serve sempre os mais obs­curos e re­ac­ci­o­ná­rios in­te­resses.

Se­jamos claros. Qual­quer acto ter­ro­rista que ceife vidas ino­centes in­dis­cri­mi­na­da­mente, me­rece firme con­de­nação e forte com­bate. O ter­ro­rismo só se com­bate com po­lí­ticas de paz, de res­peito pela so­be­rania dos es­tados, de co­o­pe­ração entre os povos, e pela rup­tura com as po­lí­ticas de di­reita que se im­põem na Eu­ropa.




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