Roupa suja

Henrique Custódio

A designação corrente (com irreprimível desfaçatez) diz tudo, à cabeça: «paraíso fiscal».

No mínimo, trata-se de um local paradisíaco para quem pretende escapar ao pagamento de impostos.

Há outra designação em inglês (como língua franca, que ainda é) e que parece apor uma legitimação aristocrática à coisa (ou, pelo menos, ir na moda de autenticar tudo com uma inglesada): «offshore». Trata-se de um termo dos corsários, que depositavam os saques «off-shore» (literalmente, «fora da costa»). Como se vê, mesmo em inglês, a designação tem origem na pirataria.

Acrescente-se que nos países onde se adopta o Direito Romano (como o nosso) o expediente dos «offshores» é substituído pelas «fundações» que, formalmente, são «proprietárias de bens», com movimentações genericamente «confidenciais».

Vale a pena escrutinar o assunto para se dizer, sem tibiezas, que os «paraísos fiscais» ou «offshores» são, liminarmente, um método que o capialismo oficializou para manobrar fora das leis que ele próprio impôs para regulação dos interesses públicos e privados, funcionando estas instituições não apenas para «esconder» fortunas, abrigá-las de impostos nos países de origem e fugir genericamente ao Fisco, mas também para cobrir todo o género de alta criminalidade, seja de tráfico de armas ou de pessoas, de contrabandos ilegítimos e criminosos de toda a laia, lavagem de dinheiro dos negócios clandestinos e ilegais, à luz de todos os Códigos ou de financiamento do terrorismo – isto em resumo.

Com a última crise do capitalismo, ocorrida com a «bolha» do subprime em 2007, agudizou-se catastroficamente o controlo do poder político pelo capital financeiro, o que conduziu ao acelerado esmiframento dos povos em salários, emprego e direitos (para cobrir os desastres das especulações financeiras, sem tocar nas colossais fortunas acumuladas) e ao recurso desbragado da rede dos «offshores», há muito instalada.

O escândalo explodiu com os «papéis do Panamá», deixando de haver quem se atreva a defender os paraísos fiscais, como o faziam, tratando-os como parte natural do sistema. De mansinho, agora os seus defensores apenas tentam minimizar as perdas argumentando que «nem tudo é criminalidade nos offshore», e que «há várias gradações na sua utilização», sem, contudo, ninguém explicar qual a conveniência ou a necessidade destes instrumentos de fuga oficial ao controle dos capitais.

E surgem números, como o da avaliação em 60 mil milhões de euros dos capitais portugueses escondidos em offshores (o que é quase o resgate de 75 mil milhões, pedido à troika) ou, mundialmente, de se acovilar na rede de paraísos fiscais o suficiente para se acabar com a fome e a miséria no mundo (como dizem as misses universo).

Há imensa roupa suja e ninguém quer ser dono dela.

 



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