Reestruturar para não renegociar

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«Tive de optar entre as ne­ces­si­dades dos nossos cre­dores e os ser­viços do nosso povo», foi assim que o go­ver­nador de Pu­erto Rico, Ale­jandro García Pa­dilla, jus­ti­ficou, este do­mingo, a «do­lo­rosa de­cisão» de per­mitir que o ter­ri­tório fa­lhasse, na se­gunda-feira, um pa­ga­mento de dí­vida pú­blica de 422 mi­lhões de dó­lares, en­trando ofi­ci­al­mente em in­cum­pri­mento ou de­fault [n.t.].

No mesmo dis­curso, o go­ver­nador não só ad­mitiu que a ga­lo­pante dí­vida de 164,7 mil mi­lhões de dó­lares (150 por cento do pro­duto in­terno bruto) é «im­pa­gável» como an­te­cipou um novo e maior in­cum­pri­mento no dia 1 de Julho, al­tura em que são de­vidos ou­tros dois mil mi­lhões de dó­lares.

Pe­rante a in­do­lência do Con­gresso dos EUA, con­ve­ni­en­te­mente blo­queado pela cres­cente cris­pação entre de­mo­cratas e re­pu­bli­canos, o papel de «po­lícia mau» vem sendo exer­cido por um grupo in­formal de cre­dores co­nhe­cido como Grupo ad hoc e que reúne os mais agres­sivos in­ves­ti­dores de «fundos abutre» como a Goldman Sachs a Op­pe­nheimer e a UBS. Foi nas reu­niões deste grupo des­pro­vido qual­quer le­gi­ti­mi­dade de­mo­crá­tica que se pro­jectou, ao longo dos úl­timos anos, me­didas como a pri­va­ti­zação das auto-es­tradas, da Com­pa­nhia Na­ci­onal de De­sen­vol­vi­mento In­dus­trial ou do Porto das Amé­ricas. Foi também nesta ne­bu­losa or­ga­ni­zação que se montou su­ces­sivas me­didas de aus­te­ri­dade como o au­mento do IVA, o corte do or­ça­mento para a edu­cação, a agi­li­zação dos des­pe­di­mentos e o au­mento do ho­rário de tra­balho para 10 e 12 horas diá­rias.

Pa­dilla, re­belde ou si­co­fante?

Mas para o Grupo ad hoc, que fez saber um dia que «Porto Rico não tem um pro­blema de dí­vida: tem sim um pro­blema de dé­fice», nada disto bastou. Para a or­ga­ni­zação de cre­dores, Porto Rico devia evitar o de­fault, en­cer­rando até 30 por cento das es­colas, des­pe­dindo de­zenas de mi­lhares de fun­ci­o­ná­rios pú­blicos e cor­tando bru­tal­mente os ren­di­mentos dos tra­ba­lha­dores. Num ter­ri­tório onde a po­breza atinge 45 por cento da po­pu­lação e que é ví­tima de uma san­gria de­mo­grá­fica que anu­al­mente des­conta dois por cento da po­pu­lação para a emi­gração, estas po­lí­ticas re­sul­ta­riam numa crise so­cial sem pre­ce­dente re­cente no pro­tec­to­rado.

O go­ver­nador, porém, ao anun­ciar o de­fault pro­meteu re­jeitar mais aus­te­ri­dade e si­mul­ta­ne­a­mente mais em­prés­timos: «não que­remos um res­gate e ser fis­ca­li­zados por fun­ci­o­ná­rios fe­de­rais. Que­remos a pos­si­bi­li­dade de re­es­tru­turar a dí­vida de forma or­de­nada». Será o Pa­dilla um re­vo­lu­ci­o­nário bor­rícua a sair da clan­des­ti­ni­dade para as­sumir o leme da luta contra a agi­o­tagem co­lo­nial? Podem os agi­otas dormir des­can­sados, Pa­dilla cumpre bem o seu papel.

Esta terça-feira, com a pre­cisão de um re­lógio e es­cassas horas de­pois do in­cum­pri­mento, o Banco de De­sen­vol­vi­mento Go­ver­na­mental de Porto Rico anun­ciou o prin­cípio de um acordo para a re­es­tru­tu­ração da dí­vida: os cre­dores, horas antes in­tran­si­gentes com cada cên­timo, falam agora num perdão de até me­tade da dí­vida; os con­gres­sistas re­pu­bli­canos e de­mo­cratas, até aqui de costas vol­tadas, falam já em unís­sono da ne­ces­si­dade de im­ple­mentar uma «po­lí­tica de as­sis­tência de dis­ci­plina fiscal e or­ça­mental».

Ao con­trário do que fazia querer acre­ditar, o grande ca­pital es­tado-uni­dense sempre soube que a dí­vida porto-ri­quenha era im­pa­gável. A questão era, sim, trans­formar uma dí­vida im­pa­gável em con­di­ções lu­cra­tivas de de­pen­dência, mi­séria e sub­de­sen­vol­vi­mento. Ou, por ou­tras pa­la­vras, re­es­tru­turar tudo sem re­ne­go­ciar nada.

 



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