Diálogo para a paz em Moçambique

Carlos Lopes Pereira

O pre­si­dente da Re­pú­blica de Mo­çam­bique, Fi­lipe Nyusi, também di­ri­gente da Fre­limo, no poder, saudou o pre­visto re­co­meço do diá­logo po­lí­tico com a Re­namo, na opo­sição, tendo em vista a paz e a nor­ma­li­zação no país.

Fa­lando no sá­bado em Jinan, na Re­pú­blica Po­pular da China – no final de uma vi­sita em que foram as­si­nados entre Pe­quim e Ma­puto acordos de co­o­pe­ração eco­nó­mica mas também de re­forço das re­la­ções mi­li­tares e de se­gu­rança, no quadro de uma «par­ceria es­tra­té­gica global» –, Nyusi, ci­tado pela AIM, agência no­ti­ciosa mo­çam­bi­cana, co­mentou que a anuência da Re­namo em sentar-se à mesa de ne­go­ci­a­ções «é a no­tícia de que o povo mo­çam­bi­cano es­tava à es­pera».

A missão das de­le­ga­ções do go­verno e da Re­namo, se­gundo a AIM, é apenas pre­parar as con­di­ções para uma reu­nião entre o pre­si­dente da Re­pú­blica e Afonso Dh­la­kama, o con­tro­verso líder opo­si­ci­o­nista. O pre­si­dente mos­trou-se op­ti­mista, disse que só na ci­meira é que serão «to­madas de­ci­sões vin­cu­la­tivas» e ma­ni­festou a con­vicção de que o en­contro «vai acon­tecer e vai ser pro­du­tivo». Con­tudo, cri­ticou os ata­ques ar­mados contra civis em es­tradas da re­gião cen­tral de Mo­çam­bique, da res­pon­sa­bi­li­dade do «braço ar­mado» da Re­namo. «Fazer pressão através de ata­ques ar­mados é uma velha tác­tica que não fun­ciona», ad­vertiu. E es­cla­receu que a res­posta do go­verno tem sido exortar as Forças de De­fesa e Se­gu­rança de Mo­çam­bique a manter a calma e a não res­ponder a pro­vo­ca­ções, pro­cu­rando de­fender o povo e pro­teger as co­lunas de trans­portes nas es­tradas em risco.
O go­verno tinha no­meado em Março uma equipa para par­ti­cipar do pro­cesso de re­toma de con­ver­sa­ções e, agora, em fi­nais de Maio, a Re­namo anun­ciou os nomes dos seus três ne­go­ci­a­dores. Ja­cinto Ve­loso, membro do Con­selho Na­ci­onal de De­fesa e Se­gu­rança e an­tigo mi­nistro da Se­gu­rança, Ben­vinda Levy, con­se­lheira do pre­si­dente, e Alves Mu­teque, dos ser­viços da pre­si­dência da Re­pú­blica, foram os de­sig­nados por Nyusi. Quanto a Dh­la­kama, in­dicou os nomes de José Man­teigas, Edu­ardo Nam­bu­rete e André Ma­gi­biri, todos de­pu­tados do seu par­tido.

Si­tu­ação sin­gular

O diá­logo entre o go­verno e a Re­namo tinha co­me­çado em Abril de 2013 e fora in­ter­rom­pido em me­ados de Agosto de 2015, quando os re­pre­sen­tantes opo­si­ci­o­nistas aban­do­naram o pro­cesso.

Para re­atar as con­ver­sa­ções, o chefe da opo­sição exigia a pre­sença de me­di­a­dores in­ter­na­ci­o­nais, de­sig­na­da­mente o pre­si­dente da África do Sul, Jacob Zuma, e re­pre­sen­tantes da União Eu­ro­peia e da Igreja Ca­tó­lica. A exi­gência não foi aceite por Nyusi e, pelo menos para já, o diá­logo será só entre as duas partes.Mo­çam­bique, com 25 mi­lhões de ha­bi­tantes e um enorme po­ten­cial de de­sen­vol­vi­mento (gás, carvão, re­cursos hi­dro­e­léc­tricos, agri­cul­tura, pesca e ou­tras ri­quezas na­tu­rais), es­pera um cres­ci­mento eco­nó­mico da ordem dos seis ou sete por cento do PIB em 2016 e 2017, um das mai­ores taxas na África. A si­tu­ação, con­tudo, agravou-se desde há al­guns meses, com a des­va­lo­ri­zação do me­tical em re­lação ao dólar e a sus­pensão da «ajuda» do Fundo Mo­ne­tário In­ter­na­ci­onal, do Banco Mun­dial e dos países oci­den­tais, quando foi co­nhe­cida, em Abril, a exis­tência de dí­vidas do Es­tado mo­çam­bi­cano, fora das contas pú­blicas, no valor de 1,2 mil mi­lhões de euros. Essas dí­vidas foram con­traídas em 2013 e 2014 (no man­dato do pre­si­dente Gue­buza) e são jus­ti­fi­cadas por ra­zões de se­gu­rança e de cons­trução de infra-es­tru­turas es­tra­té­gicas.

Nestes 40 anos de in­de­pen­dência, o país tem sido go­ver­nado pela Fre­limo e hoje vive uma si­tu­ação po­lí­tica e mi­litar sin­gular. Nos úl­timos tempos têm au­men­tado os con­frontos mi­li­tares entre bandos da Re­namo e forças de de­fesa go­ver­na­men­tais, so­bre­tudo nas pro­vín­cias do centro e Norte (Ma­nica, So­fala, Zam­bézia e Tete). A Re­namo apre­senta duas faces – uma, a de um par­tido na opo­sição, com os seus de­pu­tados tra­ba­lhando «nor­mal­mente» no par­la­mento; e outra, a de um grupo ar­mado que ataca co­lunas, faz em­bos­cadas a au­to­carros, rapta au­to­ri­dades lo­cais, pro­voca ví­timas. O seu líder vive es­con­dido, su­pos­ta­mente al­gures na serra da Go­ron­gosa, mas dá en­tre­vistas e presta de­cla­ra­ções, com frequência, aos media mo­çam­bi­canos e es­tran­geiros.

Apesar da re­pe­tida dis­po­ni­bi­li­dade do pre­si­dente Nyusi em ne­go­ciar com Dh­la­kama, este, com de­cla­ra­ções con­tra­di­tó­rias e com­por­ta­mentos er­rá­ticos, tem-se re­cu­sado a sentar à mesa de con­ver­sa­ções. Com um dis­curso be­li­coso, re­jeita os re­sul­tados das elei­ções pre­si­den­ciais e le­gis­la­tivas de fi­nais de 2014, ga­nhas pela Fre­limo, e ameaça «tomar o poder» pela força (o prazo era até ao fim de Março) nas seis pro­vín­cias do centro e Norte, as mais po­vo­adas, onde alega ter ob­tido a mai­oria dos votos.
Agora há, de novo, a ex­pec­ta­tiva de um diá­logo para a paz.

 



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