Golpes

Henrique Custódio

A estranha tentativa de golpe de Estado ocorrida na Turquia teve duas consequências imediatas.

Uma, escancarou o caminho ao presidente Erdogan que, de imediato, deu passos concretos e substantivos, como a destituição de três mil juízes, a prisão de um número indeterminado de militares (que continua), a ameaça de que pretende sentenciar à morte «os golpistas», pelo que já fala em reintroduzir a pena de morte, crescendo o rumor de que a sua presidência emana de Alá.

A outra consequência foi colocar a União Europeia numa posição desconfortável (como agora se diz), acrescentada à gestão oportunística que a UE tem mantido no relacionamento com a Turquia, nomeadamente no «negócio» (sem qualquer vínculo jurídico nem escrúpulo ético) para que esta «retenha» os refugiados que procuram a Europa, recebendo «em paga» uns milhares de milhões de euros/ano.

Instada a salvar as aparências apoiando o actual regime turco no «retorno à normalidade democrática», a UE (e os EUA) assiste(m) ao perigoso espectáculo de revanchismo, autoritarismo e aprofundamento fundamentalista liderado por Erdogan, fingindo (mais uma vez) não o(s) ver, nem à situação que aponta derivas extremistas turcas de graves e imprevisíveis consequências no país e na região.

A União Europeia - melhor dizendo o «eurogrupo», formado ad hoc, liderado pela Alemanha e que manda na UE – só tem clareza e obstinação num ponto: o «controle do défice» entre balizas rígidas, para as poder manobrar conforme as conveniências dos poderosos, manobras que podem ir da indiferença total face a défices como os da França ou da Itália ou o superavit alemão ou podem confluir na perseguição feroz e implacável feita primeiro à Grécia e tentada agora com Portugal e a Espanha, embora esta por quase obrigação face a Portugal, que se afigura o alvo preferencial.

É tal a vergonha das pretensas «sanções» por causa de um défice em 2015 duas décimas acima do previsto, que alguns próceres da UE procuram desvalorizá-las e têm insinuado que o «castigo» seria de «sanção zero», o que não impede os prejuízos que a invocação de sanções acarreta, obviamente.

O inenarrável Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha, achou que as sanções devem ser aplicadas para se transmitir «um sinal de credibilidade», ignorando com desfaçatez as mais de 100 vezes que o Pacto de Estabilidade já foi violado, sem quaisquer consequências.

E a UE parece nada aprender, nem com o drama do esmagamento da Grécia, nem com o Brexit, nem com o falhanço rotundo dos «programas de reestruturação», nem com os erros crassos no Médio Oriente, com a França (por exemplo) a exigir para si um terço do petróleo da Líbia, ainda antes de desencadearem por lá a «primavera árabe».

E assim não sabem o que fazer com a Turquia. Nem com a Europa e os europeus.

 



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