Espaços para todos
A Festa, na sua nova geometria e configuração, oferecia espaços bem acolhedores. Nenhum, provavelmente, era porém tão aprazível e fresco como o Espaço Criança, situado numa área altaneira, com uma das suas entradas a dar para a nova avenida que nasce na entrada da Quinta do Cabo e que é agora de passagem quase obrigatória. Ali, sob a frondosa e fresca copa de uma mancha de pinhal, a vida pulsava a outro ritmo. Fosse qual fosse a hora, era certo que no ar havia alvoroço e corrupio. E a razão era simples: por ali não faltava os apelos à brincadeira. A começar pelos aparelhos infantis, todos eles inclusivos, o mesmo é dizer adaptados a todas as crianças, independentemente da existência ou não de limitações.
Era o baloiço e mais o cavalinho, e depois o escorrega e também a travessia do túnel, e depois ainda a subida ao castelo e mais o equilíbrio nas cordas, sempre numa roda viva permanente.
Mas a oferta esteve longe de ficar por aqui. No muito ampliado Espaço Criança, hoje com mais visibilidade e ainda maior dignidade, não faltou a diversão no insuflável, nem as experiências em estimulantes ateliers como o de trabalhar o barro ou criar fantoches de dedo (dedoches). Tal como não faltaram as pinturas, nem os jogos tradicionais e até houve oportunidade – num verdadeiro anfiteatro, pois claro – para assistir à «história de um nabo» em teatro de robertos, bem como a momentos de animação musical e de dança.
Na avenida com origem na antiga entrada da Medideira e que desemboca no grande círculo que envolve o Palco 25 de Abril, mesmo no topo, com um plano de vista fabuloso, situava-se a Emigração. Com uma localização assim, está bem de ver, a esplanada adjacente ao stand não chegava para as encomendas, circunstância a que também não era alheia a frescura da sombra que oferecia. Mas aquele foi, sobretudo, consolidando um traço que o tem caracterizado ao longo dos anos, um grande ponto de reencontro de quem, andando por outras latitudes e lugares, há muito não se via. E quando assim é, claro, nada melhor para fortalecer o convívio do que provar um bom petisco. Foi o que fizeram as muitas centenas de pessoas que por ali passaram, não dispensando a salsicha alemã ou a bifana à portuguesa, regadas com champanhe francês ou a não menos boa «Sangria do Quim», assim chamada por ser uma criação do ex-dirigente sindical na Suíça Joaquim Fernandes, camarada muito estimado, que, nos seus 90 anos, como o próprio nos disse, por nada dispensa a presença na Festa do Avante!. Numa das paredes laterais do stand, em exposição de três painéis, apontava-se as razões que levaram tantos a sair em busca de trabalho e vida melhor, afirmava-se que a alternativa existe e era dado a conhecer o conteúdo das propostas do PCP para a diáspora.
Descendo um pouco mais a mesma avenida, encimada este ano pela «roda gigante», três mastros embandeirados de vermelho com a inscrição a branco da palavra Mulheres identificavam sem equívocos qual o stand onde estávamos. Na parede traseira ao balcão do «Bar da Igualdade» – onde se serviam «as melhores sandocha e vegetariana da Festa», segundo se podia ler na informação que as anunciavam –, silhuetas negras de mulher de punho fechado sobressaíam do fundo branco. A acompanhá-las, em letras garrafais, uma palavra de ordem: «Mulher, toma nas tuas próprias mãos a conquista dos teus direitos». Um apelo à acção e à luta das mulheres, na certeza de que o processo emancipador da mulher trabalhadora da opressão capitalista – e da mulher em geral face às discriminações e desigualdades a que é sujeita em razão do sexo – é ele próprio indissociável da sua participação. Mensagem política forte era também a que se encontrava na exposição, distribuída por quatro painéis, onde, entre outras exigências, estava a de que se cumpra a igualdade na lei e na vida.
Mesmo ao lado do stand pintado em tons suaves dedicado às Mulheres, separados entre si por uma ampla esplanada, estava – todo ele em vermelho –, o stand Imigração. Com uma decoração recheada de sugestivos motivos africanos, não eram apenas estes a encaminhar-nos para paragens distantes. Também a cachupa rica de Cabo Verde, os pastéis de milho com atum, a paracuca ou o doce de coco, lá estavam, quais verdadeiras iguarias, a lembrar-nos a riqueza gastronómica de outros povos. Às sonoridades vindas sobretudo de África e do Brasil ficou a dever-se ainda essa aproximação a outras culturas, mas também a animação e o ambiente de festa que, em contínuo, preencheu as tardes e noites daquele espaço, sobretudo na estrutura sobrelevada que funcionou como pista de dança, sempre a «bombar» num desafio permanente à energia dos que por ali passavam.