Comentário

Acabar com a chantagem!

Miguel Viegas

No momento em que escrevemos esta crónica, não sabemos qual o desfecho do diálogo estruturado sobre a possível suspensão dos fundos estruturais a Portugal e Espanha, marcado para esta semana no Parlamento Europeu. O que sabemos é que este «diálogo» é parte integrante de um processo inaceitável de chantagem através do qual as instituições europeias pretendem inviabilizar qualquer medida política que se afaste da agenda neoliberal da União Europeia.

As sanções não caíram do céu

Contudo, é importante compreender que este processo não nasceu de um dia para o outro, nem representa «apenas» uma medida isolada e discricionária contra Portugal e Espanha. Este processo não é mais do que a aplicação concreta dos regulamentos e directivas que foram sendo aprovados nas últimas décadas, no quadro da criação e consolidação do euro e da União Económica e Monetária. O PCP denunciou desde a primeira hora a verdadeira natureza do euro e de todas as suas implicações para a nossa economia. Hoje, perante o coro unânime de críticas às possíveis sanções contra Portugal, importa lembrar as responsabilidades daqueles que empurraram o País para esta situação, questionando as promessas feitas na altura onde se apontava para uma Europa mais forte e solidária com Portugal no pelotão da frente.

Um olhar frio para os tratados e regulamentos conexos remete-nos para o incumprimento sucessivo de Portugal na sua política orçamental. Este incumprimento não é aliás apanágio exclusivo de Portugal. Com efeito, desde a criação do euro, 17 dos actuais 19 países da zona euro furaram as regras do pacto de estabilidade e crescimento (os dois únicos «cumpridores» foram o Luxemburgo e a Lituânia). O caso português é gritante e ilustrativo da forma como as regras se foram refinando ao longo das sucessivas revisões da chamada governação económica (termo que abrange todas as regras e procedimentos da moeda única). Em 2015, não contabilizando os cerca de quatro mil milhões de euros enterrados no Banif (perdoados por Bruxelas uma vez que é para salvar a banca...) o défice português ficou nos três por cento que constam no Tratado de Maastricht e no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Mas à luz das novas regras do Tratado Orçamental, isto não chega! Portugal deveria ter reduzido o défice estrutural a uma média de 0,5 pontos percentuais por ano! E portanto, em Julho deste ano, a decisão não poderia ter sido outra, sendo Portugal acusado formalmente de não ter feito o esforço orçamental previsto nas regras do euro!

O que está em causa

Como primeira consequência de reconhecimento formal do incumprimento, e mais uma vez resultante da estrita aplicação das regras aprovadas ao longo das últimas décadas pelos habituais partidos do arco da governação, as instituições europeias avançaram com as multas que podem ir até um por cento do PIB. A Comissão Europeia entendeu recomendar a não aplicação de qualquer multa, mas não sem antes impor mais metas e mais medidas de austeridade a Portugal, remetendo novo exame para Outubro.

Mas os eurocratas que moldam esta UE à medida dos interesses do capital não brincam em serviço. E por isso, na elaboração do regimento que enquadra a aplicação dos fundos estruturais (Regulamento 1303/2013), colocaram a chamada condicionalidade macroeconómica, segundo a qual (artigo 23) os fundos estruturais podem ser suspensos total ou parcialmente caso um país não cumpra com as regras do euro. E assim se mantém Portugal num processo contínuo de condicionamento das suas políticas e da sua soberania.

De acordo com o tal artigo 23, cabe à Comissão Europeia elaborar uma proposta para a suspensão de fundos, não sem antes ouvir o Parlamento Europeu no chamado diálogo estruturado marcado para esta semana e que certamente contribuirá para dar um «ar» mais «participativo» a mais uma inaceitável manobra antidemocrática de ataque ao direito dos povos ao desenvolvimento. Os fundos estruturais, apesar de terem diminuído substancialmente ao longo dos anos e de estarem fortemente condicionados pelos objectivos da estratégia 2020 e da sua agenda neoliberal, representam ainda assim um instrumento de mitigação do crescimento das assimetrias regionais associado às políticas da UE e impactos do Mercado Único. No quadro financeiro plurianual, Portugal tem previstos cerca de 25 mil milhões de fundos estruturais, representando com a comparticipação nacional um investimento global superior a 30 mil milhões de euros. No actual momento em que decresce o investimento, estes fundos têm uma importância acrescida com o nosso País limitado na sua capacidade de investir pelas regras do euro. E são agora as mesmas regras do euro que pretendem cortar nos fundos estruturais! Não é por acaso que o PCP defende há muito que esta União Europeia não é reformável. Romper com as amarras do euro é hoje mais do que nunca uma prioridade!

 



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