As catástrofes e a luta de classes

Ângelo Alves

As Ca­raíbas e os EUA foram afec­tados pelo fu­racão Matthew entre os dias 4 e 9 de Ou­tubro. O maior ci­clone tro­pical dos úl­timos nove anos chegou a atingir o grau 5 na es­cala Saphir-Simpson, tendo che­gado ao Haiti e a Cuba, e pas­sado perto da Ja­maica, das Bahamas e da Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, com grau 4. Perdeu de­pois in­ten­si­dade ao apro­ximar-se da costa Leste dos EUA.

O ba­lanço da ca­tás­trofe e o seu tra­ta­mento me­diá­tico re­metem-nos para duas con­si­de­ra­ções:

1 – O Haiti, ainda não re­feito do ter­re­moto de 2010 que pro­vocou cerca de 200 000 mortos, sub­me­tido a blo­queios, in­ge­rên­cias e pres­sões do im­pe­ri­a­lismo, na prá­tica ocu­pado mi­li­tar­mente, com um povo con­de­nado à po­breza ex­trema, foi ar­ra­sado pelo po­de­roso fu­racão. Os mortos são já mais de mil, terão sido afec­tados 1,3 mi­lhões de pes­soas e a có­lera alastra entre a po­pu­lação da­quele país. A vi­zinha Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, apesar de não atin­gida di­rec­ta­mente, contou com quatro mortes e de­zenas de co­mu­ni­dades iso­ladas. Os EUA atin­gidos já na fase de en­fra­que­ci­mento do Matthew (nível 3 e 2) re­gis­taram 20 mortos e cen­tenas de mi­lhares de afec­tados e des­lo­cados.

Cuba foi atin­gida di­rec­ta­mente pelo Matthew com o mesmo grau de in­ten­si­dade do Haiti (4). Ventos de 220 Km/​h, chuvas tor­ren­ciais e marés de tem­pes­tade afec­taram so­bre­tudo a pro­víncia de Guan­tá­namo. Apesar de avul­ta­dís­simos es­tragos e de 73 000 pes­soas eva­cu­adas, as ví­timas mor­tais foram… Zero! Não há re­gisto de epi­de­mias, dois dias de­pois as co­mu­ni­ca­ções es­tavam re­postas. As ra­zões de tão ra­dical di­fe­rença re­sidem no exem­plar sis­tema de pre­pa­ração, eva­cu­ação, so­corro e re­pa­ração cu­bano (com a par­ti­ci­pação das forças ar­madas) e, apesar das di­fi­cul­dades, na so­lidez das cons­tru­ções. Mais uma vez Cuba so­ci­a­lista de­monstra a sua or­ga­ni­zação e ca­pa­ci­dade para pro­teger os seus ci­da­dãos.

2 – A pre­pa­ração dos EUA para o im­pacto do fu­racão no seu pró­prio ter­ri­tório, os mortos e a nova cor­rida à «ocu­pação hu­ma­ni­tária» no Haiti ocu­param o es­sen­cial do tra­ta­mento me­diá­tico. Não fossem as no­tí­cias sobre a eva­cu­ação de norte-ame­ri­canos da base de Guan­tá­namo, e para os mais dis­traídos o fu­racão Matthew não tinha pas­sado por Cuba.

Até as ca­tás­trofes têm um sen­tido de classe!




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