Reescrever a História…

Filipe Diniz

Ainda agora co­meça, mas já se adi­vi­nhava há muito a forma como a di­reita iria evocar a Re­vo­lução de Ou­tubro de 1917. Na tri­buna elec­tró­nica da di­reita mais as­su­mida – o Ob­ser­vador – um elu­ci­da­tivo ar­tigo (19.11.2016). Abre com uma ci­tação, cui­da­do­sa­mente trun­cada, de «Dez dias que aba­laram o mundo». Onde quer chegar é que («se­gundo o his­to­ri­ador hún­garo Peter Kénez») o as­salto ao Pa­lácio de In­verno se passou tran­qui­la­mente, e os bol­che­vi­ques, «poucos e de­sor­ga­ni­zados», de­pois de ocu­parem «os edi­fí­cios pú­blicos mais im­por­tantes, as re­dac­ções dos prin­ci­pais jor­nais e as es­ta­ções de ca­mi­nhos-de-ferro» se li­mi­taram a tomar «o úl­timo re­duto de re­sis­tência em Pe­tro­grado». Fora «uma noite tran­quila».

Não me­re­ceria a pena men­ci­onar a vi­o­lência que an­te­cedeu essa noite dita «tran­quila»? Não se ve­ri­fi­cara em Agosto o motim en­ca­be­çado por Kor­nilov, que exigia a ins­tau­ração da pena de morte não só na frente de com­bate mas também na re­ta­guarda? Não aban­do­nara o Co­mando Su­premo Riga às tropas alemãs, es­pe­rando que elas re­for­çassem os kor­ni­lo­vistas e Ke­renski contra os ope­rá­rios e sol­dados de Pe­tro­grado? Não ten­tava o go­verno pro­vi­sório mo­bi­lizar tropas para es­magar a in­sur­reição cam­po­nesa? Não as­su­miam ao mesmo tempo ex­trema vi­o­lência o au­mento dos preços dos pro­dutos de con­sumo e a de­gra­dação dos sa­lá­rios dos ope­rá­rios?

E não foi pre­ci­sa­mente a re­sis­tência or­ga­ni­zada contra tais vi­o­lên­cias que al­terou de forma de­ci­siva a cor­re­lação de forças a favor do mo­vi­mento re­vo­lu­ci­o­nário? Não fi­zera ela crescer o nú­mero de so­vi­etes e a in­fluência dos bol­che­vi­ques neles? Não pas­saram a contar-se por de­zenas de mi­lhares os com­ba­tentes or­ga­ni­zados nas Guardas Ver­me­lhas (com, por exemplo, 12 des­ta­ca­mentos só na fá­brica Pu­tílov)? Não cres­cera de forma es­ma­ga­dora a or­ga­ni­zação dos ma­ri­nheiros na Es­quadra do Bál­tico, a que per­tencia o cru­zador «Au­rora»? Não foi a tão du­ra­mente con­se­guida or­ga­ni­zação mi­litar, so­cial, po­lí­tica que per­mitiu esse final de «noite tran­quila»?

Há muito que es­tamos ha­bi­tu­ados à re­es­crita da His­tória pelos ven­ce­dores (in­cluindo al­guns pa­lermas). Mas ne­nhuma re­es­crita po­derá di­mi­nuir o ful­gu­rante acon­te­ci­mento que inau­gurou a época da pas­sagem do ca­pi­ta­lismo ao so­ci­a­lismo.

 



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