Almas inquietas

Jorge Cordeiro

As almas do cos­tume estão em al­vo­roço. Ha­bi­tu­ados que estão a contar com «di­nheiro em caixa», no sen­tido li­teral e me­ta­fó­rico do termo, o ca­pital e seus re­pre­sen­tantes va­gueiam entre o in­cré­dulo e o des­con­certo. No guião usual do livro de «deve e haver» a que o ca­pital está afei­çoado, a es­crita terá dado para o torto. De­ter­mi­nado que está, por di­reito con­su­e­tu­di­nário, ad­qui­rido por anos de con­cer­ta­ções bem su­ce­didas, que é na co­luna dos «haver», e só nessa co­luna, que deve ser tida como le­gí­tima de­po­si­tária do que houver a ins­crever, en­tende-se o de­sa­tino que por aí anda.

Per­cebe-se assim que João Vi­eira Lopes, fi­gura de proa da con­fe­de­ração pa­tronal do co­mércio, não con­siga re­primir a sua in­dig­nação ques­ti­o­nando «se o par­la­mento não a res­peita, para que existe con­cer­tação?». O homem não deixa de ter razão. Pre­en­chido que es­tava a con­dição que por opção de classe cabe aos go­vernos cum­prir, en­ca­mi­nhada que pa­recia estar mais uma vez a ordem na­tural das coisas com o de­vido pre­en­chi­mento da co­luna do livro que deve ser acau­te­lada, eis que a ino­pi­nada ati­tude de Passos Co­elho, saída de onde menos es­pe­raria, ameaça es­bor­ratar a es­crita.

Afas­tada que seja a bruma ar­gu­men­ta­tiva em torno da con­cer­tação, e os mé­ritos que al­guns nela iden­ti­ficam por ex­pe­ri­ência feita, e so­bre­tudo en­quanto apó­lice de ga­rantia de ga­nhos aí ad­qui­ridos, o que no fundo move con­fe­de­ra­ções pa­tro­nais e os seus re­pre­sen­tantes po­lí­ticos é o ataque ao sa­lário mí­nimo na­ci­onal e aos sa­lá­rios em geral. Ouça-se Passos Co­elho ver­be­rando o au­mento dos dois úl­timos anos, com­pa­rando-o com a evo­lução da com­pe­ti­ti­vi­dade ou com o cres­ci­mento eco­nó­mico, para chegar ao que de facto pensa e am­bi­ciona para o País: um mo­delo de baixos sa­lá­rios, uma po­lí­tica ori­en­tada para as­se­gurar os ní­veis de ex­plo­ração in­dis­pen­sá­veis à acu­mu­lação de lu­cros, uma tra­jec­tória de ren­di­mentos em que não sendo o con­ge­la­mento de sa­lá­rios bas­tante, se lhe acres­centa, como o seu go­verno acres­centou, o corte do valor de sa­lá­rios como me­dida pro­fi­lá­tica.




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