Ordem para abater

Luís Carapinha

A má­quina be­li­cista dos Es­tados Unidos mul­ti­plica os focos de tensão

Til­lerson, há umas se­manas, e Pence, por estes dias, an­daram pela Ásia Ori­ental a deixar o aviso: «a era da pa­ci­ência es­tra­té­gica dos EUA acabou-se.» A des­con­cer­tante sen­tença é uma ameaça di­recta à Co­reia do Norte, res­pal­dada pela des­lo­cação para a zona de uma im­por­tante frota de guerra e a re­a­li­zação de ma­no­bras mi­li­tares com a Co­reia do Sul. Con­tudo, como é sa­bido, a ver­da­deira dor de ca­beça do poder de Washington re­side em Pe­quim. Toda a ope­ração de es­ca­lada in­cen­diária e fre­né­tica de­mons­tração global de força dos úl­timos dias tem, na es­sência, a China como des­ti­na­tário. Trump fez questão de atacar a Síria na pre­sença de Xi Jin­ping – em mais um crime de ter­ro­rismo de Es­tado e afron­tosa vi­o­lação do di­reito in­ter­na­ci­onal, que causou gáudio entre os arautos da ide­o­logia do­mi­nante. Con­tra­ri­a­mente às ine­bri­adas ex­pec­ta­tivas de há umas dé­cadas em Wall Street, a China emergiu como um ad­ver­sário eco­nó­mico vir­tu­al­mente fatal. De­certo um par­ceiro duro. Como gol­pear ou, no li­mite, cortar amarras sem in­su­por­ta­vel­mente cortar na pró­pria carne, eis a questão. Tanto mais di­la­ce­rante quanto mais ní­tido se for tor­nando o ho­ri­zonte de de­clínio, ine­xo­rável, da super-po­tência im­pe­ri­a­lista no quadro do longo pro­cesso de es­tag­nação e crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo.

Seja como for, o te­atro do im­pre­vi­sível ti­tu­lado ao recém-in­qui­lino da ad­mi­nis­tração dos EUA adoptou a rude en­ce­nação do ar­rastar de es­padas e mo­nu­mental es­bra­cejar de armas. Como se es­pe­rava, a bis­sec­triz da pugna in­tes­tina no sis­tema de poder e classe di­ri­gente norte-ame­ri­canas re­sulta em mais in­ter­ven­ci­o­nismo e mi­li­ta­rismo. A subs­tância con­cen­tra­da­mente re­ac­ci­o­nária de Trump e da sua ecléc­tica en­tou­rage (diz-se que a Golman Sachs já está no lugar de ti­mo­neiro), aliada à in­se­gu­rança po­lí­tica da fi­gura do pre­si­dente, tornam tudo mais in­fla­mável. De pazes feitas e com os ali­ados da NATO na ordem, a má­quina be­li­cista dos Es­tados Unidos mul­ti­plica os focos de tensão e agressão no globo, ac­tu­ando como gen­darme por conta pró­pria do pla­neta. Síria, Iraque – Médio Ori­ente –, Norte de África, Afe­ga­nistão, pe­nín­sula da Co­reia, Ucrânia e Eu­ropa de Leste (nas barbas da Rússia) são só os pontos mais quentes do festim bé­lico. Sem es­quecer a Amé­rica La­tina com as ame­aças do Co­mando Sul de in­ter­venção na Ve­ne­zuela em con­luio com a OEA. Pros­segue a mo­der­ni­zação da com­po­nente nu­clear, a cri­ação de armas es­tra­té­gicas con­ven­ci­o­nais e a ins­ta­lação do sis­tema ofen­sivo an­ti­míssil, cri­ando as con­di­ções para a apli­cação da dou­trina do ataque ime­diato global. No plano es­tri­ta­mente mi­litar só Rússia e China po­derão fazer frente à chan­tagem e ame­aças co­lo­cadas. A co­o­pe­ração mi­litar entre os dois vi­zi­nhos é vital também para a ma­nu­tenção do equi­lí­brio es­tra­té­gico, cau­sando alarme no Pen­tá­gono. Em plena era nu­clear, os pe­rigos para a paz no mundo não podem ser su­bes­ti­mados. Os aplausos na UE ao re­cente ataque contra a Síria são um mau pre­núncio. É pre­ciso evitar que o ar­re­ba­ta­mento pós-ver­dade não acabe por con­duzir o mundo à era da pós-vida.




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