Teorias

Henrique Custódio

As «te­o­rias da cons­pi­ração» ge­ral­mente surgem para «ex­plicar o inex­pli­cável» e cos­tumam ser apro­vei­tadas pelos po­deres ins­ti­tuídos com o ob­jec­tivo de des­viar as aten­ções das causas e con­sequên­cias dos actos que ins­piram essas te­o­rias.

Há dois exem­plos clás­sicos na his­tória dos EUA, o país useiro e ve­zeiro nestas ma­té­rias: o as­sas­si­nato do pre­si­dente John Ken­nedy e o ataque às Torres Gé­meas de Nova Iorque, em 2001.

Para ambos os acon­te­ci­mentos sur­giram mi­ríades de «te­o­rias da cons­pi­ração», todas ir­ma­nadas em dois pontos: res­mo­neiam res­pon­sa­bi­li­za­ções «aos po­de­rosos» pelos factos ocor­ridos e mul­ti­plicam ad in­fi­nitum as «cons­pi­ra­ções». Re­sul­tado, sim­ples e li­near: as «te­o­rias» nunca ex­plicam nem de­mons­tram nada e, em de­fi­ni­tivo, lançam o as­sunto «te­o­ri­zado» numa opa­ci­dade cons­pi­ra­tiva que ex­cita ima­gi­na­ções, en­tretém o pa­gode e, so­bre­tudo, de­sa­cre­dita o as­sunto.

Ken­nedy foi as­sas­si­nado há 54 anos, lan­çaram-se su­cu­lentas «te­o­rias da cons­pi­ração» e nada se des­co­briu. En­tre­tanto, foram para sempre es­que­cidas as cir­cuns­tân­cias a mon­tante e a ju­sante do as­sas­sínio, no­me­a­da­mente, a mon­tante, a in­tenção de Ken­nedy de sair da guerra do Vi­et­name (que ele pró­prio de­sen­ca­deara) e, a ju­sante, o re­cru­des­ci­mento da ofen­siva mi­litar no Vi­et­name, ime­di­a­ta­mente após morte de Ken­nedy. Note-se que a questão, aqui, não é dar alento à «te­oria» de o com­plexo mi­litar-in­dus­trial ser o res­pon­sável pelo as­sas­sínio, mas su­bli­nhar o apa­ga­mento total da aná­lise do que con­duziu à guerra ao Vi­et­name e da he­ca­tombe para os EUA em que re­sultou a es­ca­lada mi­litar pós-Ken­nedy nessa mesma guerra que, aliás, aca­baria numa hu­mi­lhante der­rota mi­litar dos norte-ame­ri­canos.

Com os aten­tados às torres gé­meas de Nova Iorque, em 2001, a si­tu­ação foi se­me­lhante: a mon­tante, deixou de se es­cru­tinar a res­pon­sa­bi­li­dade dos EUA a treinar, mu­ni­ciar e sub­si­diar a Al-Qaeda com o ob­jec­tivo de esta atacar os so­vié­ticos no Afe­ga­nistão e, a ju­sante, o ataque à torres deu carta branca aos EUA quer para res­tringir for­te­mente as li­ber­dades dos norte-ame­ri­canos, quer para de­sen­ca­dear guerras à la carte, der­rubar Saddam no Iraque, pôr o Médio Ori­ente a ferro e fogo e abrir ca­minho aos ter­ro­rismos que afligem pre­sen­te­mente o pla­neta.

É neste quadro que as «te­o­rias da cons­pi­ração» têm me­drado, para sos­sego dos se­nhores do mundo. Aliás, Hollywood tem sido (mais uma vez) um ins­tru­mento ide­o­ló­gico pre­cioso para se­di­mentar a ideia, com a pro­li­fe­ração sa­tu­rada de fic­ções sobre temas cons­pi­ra­tivos.

A che­gada de Trump ao poder contou (também, em­bora não apenas) com o des­cré­dito a que chegou a go­ver­nação nos EUA, onde, hoje, as «te­o­rias da cons­pi­ração» já foram ul­tra­pas­sadas pelas te­o­rias da «pós-ver­dade», a burla ide­o­ló­gica e in­for­ma­tiva da ac­tu­a­li­dade.

 



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